sexta-feira, 12 de novembro de 2010

AG #9 : A politicização da Ciência, e a cientificação da Política.

Existe, desde há muito tempo, uma idealização do que deve ser a relação entre a política e a ciência, que consiste num modelo simples e eficaz, no qual a ciência produz verdades, publica os seus resultados no domínio público e depois a política decide o que fazer sobre isto. Pielke Jr chama-lhe o modelo linear de ciência e decisão, é bastante consensual, baseando-se na distinção "is-ought" de David Hume. De factos não se derivam valores e decisões, resultando em tarefas divididas.

Mas a sociedade humana não é assim tão simples. Desde logo porque um cientista é um cidadão, e também tem preocupações. Muitas vezes vemos cientistas altamente especializados não só a divulgarem as suas preocupações e achados científicos, mas também a promover opiniões (algumas incrivelmente ridículas) sobre como lidar com essas descobertas. Quando este fenómeno se prolonga, vemos cientistas a opinar política, mas também vemos a ciência, a observação de factos a servirem de argumentos políticos, resultando num ambiente no qual a ciência é política.

Isto é um erro crasso, e é algo que se observa de um modo incrivelmente extenso em todas as temáticas Ambientalistas. É um erro, porque a ciência transforma-se, inadvertidamente, num meio politico de ganhar apoios para determinados fins ideológicos, e porque depois se criam dois efeitos pérfidos.

O primeiro problema é a moralização da ciência, no qual o ambiente social dentro de determinado campo científico cria divisões entre quem está do lado "certo" e do lado "errado" não em termos científicos, mas em termos morais. Enquanto que o desconforto social de quem está errado empiricamente resulta sempre em melhor ciência, o desconforto social de quem está errado ideologicamente nunca resulta em grande coisa. Dito de outra forma, a pressão evolutiva é a errada, e criam-se feedbacks positivos preocupantes, gerando mitos e medos catastrofistas que pouco mais são do que exageros brutais de fenómenos reais. What the Green Movement Got Wrong foi um documentário feito por Mark Lynas, um ambientalista de renome que repensou muitos dos mitos que tinha por verdades quase absolutas, tais como o Nuclear e as GM serem maléficas. Mark, o mesmo tipo que disse “I wanted to put a Baked Alaska in his smug face", referindo-se a Lomborg, por defender também coisas atípicas de um "bom ambientalista".

Mas há muitos mais exemplos interessantes.

a. Chuvas ácidas

Quem não se lembra do horror das chuvas ácidas? Eu já nem me lembrava, até ler este artigo muito bem escrito no The Times:

We have been here before. In 1984, acid rain was the environmental scare of the day. As the science correspondent of The Economist, I wrote: `Forests are beginning to die at a catastrophic rate. One year ago, West Germany estimated that 8% of its trees were in trouble. Now 34% are...that forests are in trouble is now indisputable.’ Experts told me all Germany’s conifers would be gone by 1990 and the Federal Ministry of the Interior predicted all forests would be gone by 2002.

Bunk. Acid rain (though a real phenomenon) did not kill forests. It did not even damage them. Scientists eventually admitted that forests thrived in Germany, Scandinavia and North America during the 1980s and 1990s, despite acid rain. I was a gullible idiot not to question the conventional wisdom I was being fed by those with vested interests in alarm.


b. Espécies em Vias de Extinção.

Sugiro a leitura de outro blog excelente de um especialista na matéria, liberal de pensamento (leia-se: de esquerda), Stephen Budiansky:

The astonishingly wrong and repercussion-free prediction of imminent doom that first riveted my attention was the claim of the impending mass extinction of the Earth's species. In 1979, the biologist Norman Myers declared that a fifth of all species on the planet would be gone within two decades. This prediction was based upon . . . absolutely no evidence whatsoever. Myers acknowledged that the documented species extinction rate of animals was 1 per year; he then asserted that scientists had "hazarded a guess" that the actual rate was 100 per year; he then speculated that government inaction was "likely to lead" to several thousand or even tens of thousands a year, which would add up to as much as a million species over two decades. (This was when people thought there were 5 million species; the best guess now is at least 10 million.) It swiftly became conventional wisdom.

Subsequently, an attempt was made to give these made-up numbers a patina of scientific respectability that was in many ways an even worse abuse of scientific logic and evidence. In the 1990s E. O. Wilson began citing the so-called "species–area relation" as the basis for predicting that tens of thousands of species were being extirpated a year by habitat loss caused by forest clearing. Wilson popularized various numbers ranging from 4,000 to 100,000 species a year being lost, and these numbers were repeated over and over again in environmental groups' fundraising literature, in congressional testimony, in speeches by Al Gore (who in 1993 said that "one-half of all species" could disappear in our lifetime, apparently an extrapolation of Wilson's and Ehrlich's pronouncement, in a 1991 paper in Science, that as many as a quarter of all rain forest species will disappear in 30 years).

Read more: http://budiansky.blogspot.com/2010/09/teflon-doomsayers.html#ixzz157VcaKFL


c. Acidificação dos oceanos

Argumento ainda em voga. Excepto de que é uma patetice, conforme descoberto pelo autor do livro "Rational Optimist" (outro Lomborg?):

The scary reasoning rests on the argument that lower pH will mean less dissolved carbonate in the water. But a new paper from scientists in North Carolina proves what many scientists have long suspected, namely that corals and other species do not use carbonate as raw material to make their shells; they use bicarbonate. And dissolving carbon dioxide in water actually increases bicarbonate concentrations.
(...)
This may explain why study after study keeps finding that far from depressing growth rates of marine organisms, high but realistic levels of carbon dioxide either do not affect them or increase them.
(...)
When I voiced some of these doubts in my book The Rational Optimist, I was accused of cherry-picking studies. All right, so let’s take a look at a `meta-analysis’, that is to say a comprehensive paper summarising all relevant studies. Iris Hendriks and Carlos Duarte of the Spanish Council for Scientific Research found that in 372 studies of 44 different marine species `there was no significant mean effect’ from lower pH. They concluded that the world’s marine biota are `more resistant to ocean acidification than suggested by pessimistic predictions’ and that ocean acidification `may not be the widespread problem conjured into the 21st century.'


.... e no entato é um dos argumentos mais usados na internet, como uma espécie de "backup" para quem não leve demasiado a sério o aquecimento global, "e atão a saúde dos oceanos?"

Podíamos continuar a noite inteira nisto. Os DDT que eram "venenosos", a camada de Ozono que aparentemente não é tão sensível aos CFCs como pensávamos, etc., etc., etc.

A questão mais pertinente é, em que é que uma ciência ideológica, i.e., Ambientalismo, consegue sequer acertar?


O segundo problema é a transformação de uma aceitação de factos para uma escolha de factos. Ou seja, se a ciência se torna politicizada, então quem se opõe ao projecto sugerido por quem está do "lado da ciência" não só se oporá à política, como sobretudo à ciência. E este fenómeno acontece apesar de qualquer ciência discutida. E se a esquerda é tradicionalmente ambientalista, isso não se deve a uma maior preocupação perante o meio ambiente, mas sim a uma visão política estatista e anti-corporativista. O ambientalismo cai que nem uma luva nesta ideologia, e entra-se numa narrativa na qual as grandes mega-corporações internacionais nos estão a lixar o planeta, é necessário mais controlo, mais regulação, etc. O Ambientalismo não é um objectivo da Esquerda, é uma ferramenta. Agora, se a direita é tradicionalmente céptica a qualquer ambientalismo, isso não se deve a um total egoísmo e irracionalidade da sua parte, mas sim a uma desconfiança milenar sobre o controlo estatal e a sobre-regulamentação, corrupção e deturpação de mercados que resultam sempre dos planos ambientalistas. A objecção não é científica, é política, e eu penso que este é um equívoco grave que deve ser corrigido.

O resultado é uma manipulação constante da ciência, poluindo não só as suas práticas como minando a sua respeitabilidade. Por outro lado, o desenvolvimento de uma ideologia anti-capitalista e anti-humanista como uma visão respeitável do futuro, substituindo outras visões ideológicas mortas, essas sim humanistas e positivas.

Mas este século não é um de Sonhos, Visões, mas sim um de Pesadelos.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

AG #8: Climatismo, o projecto anti-humanista

Eu gosto de contradições e paradoxos. Sempre os aceitei, sobretudo em questões políticas, estéticas ou poéticas. Por exemplo, a contradição entre ser-se um liberal que compreende o valor individual de cada um, e a importância de nos inserirmos num corpo social com um contracto social. São conceitos incoerentes e cheios de conflitos entre si, mas não é por isso que deixam de ser importantes, e presto homenagem a ambas.

E por isto mesmo sempre entendi o ambientalismo como sendo uma ideologia com as suas negatividades, mas que seriam sempre vistas nesta luz de contradições. Aliar o humanismo ao ambientalismo parecia-me uma imagem inevitável, bonita e pacífica, e acho que muita gente há de concordar com isto. No entanto, é preciso aqui compreendermos que o Humanismo é uma ideologia totalmente inversa ao Ambientalismo, e os seus confrontos são muito mais profundos e irreconciliáveis do que aparentam à primeira vista.

O Humanismo nasce no seio de uma cultura judaico-cristã, que venera o indivíduo e a sua alma, a liberdade humana, a responsabilidade pessoal, que gera por sua vez todo um sistema capitalista que funciona melhor se cada átomo da sua estrutura, cada indivíduo, seja dotado daquilo a que hoje chamamos de "Direitos Humanos". Esta ideia, a de que cada ser humano tem "Direitos" só por existir é algo estupendo e anti-natural. Já Adolfo Hitler desprezava este conceito ridículo de haver "Direitos" de pessoas que nunca fizeram algo para os merecer, e considerava tanto o liberalismo económico como o comunismo "doenças" anti-naturais.

Esta questão do "Anti-Naturalismo" do projecto iluminista, do projecto humanista, e do capitalista, que partilham imensos pontos comuns, faz parte de imensas críticas dos séculos anteriores, incluíndo o próprio Marx, que via nesta revolução de métodos de produção o perigo de sobreprodução e colapso do sistema, e que imaginava um retorno a um "paraíso" original, a economia de uma aldeia, etc.

O projecto de Hitler, por outro lado, era um projecto de recriar o Reich romano em um milhar de anos. Claramente, a ideia nazi não era a de um projecto de exponenciação de possibilidades tecnológicas e materiais, mas sim a da estabilidade e sustentabilidade. Em boa verdade, o partido nazi era um partido altamente ecológico, proibindo a caça, entre muitas outras medidas extraordinariamente originais e ainda hoje seriam consideradas vanguardistas. Isto porque via o ser humano não como uma "alma" especial com "direitos" a priori, mas sim como um ser dentro de um ecossistema darwiniano, que dominava devido ao seu poder e força, mas que lhe deveria respeito e veneração.

O projecto capitalista liberal era um que, no entanto, era totalmente antinatural. Colocava o Homem acima de todas as outras coisas, e as relações económicas entre homens livres como seu dogma ideológico. Este projecto não é "sustentável". É um projecto de expansão eterna, de progresso tecnológico e de avanços nas metodologias de produção exponenciais. É um projecto que tem como objectivo a produção de uma utopia paradisíaca, um desligamento do homem com a natureza, a artificialização completa do mundo, a riqueza material e intelectual de todos os seres humanos. Este antinaturalismo expõe o carácter exploratório de tudo o que não tem "Direitos", nomeadamente todo o mundo natural à sua volta. O mundo é explorado e não recebe compensação material por isso, é o nosso "escravo".

É nesta luz que o Ambientalismo surge na década de 60, reciclando e reutilizando (hehe) conceitos nazis e comunistas anticapitalistas, com o argumento simples de que o projecto capitalista vai esgotar a natureza e expôr a civilização humana à deteriorização dos ecossistemas que a sustentam. Desde a questão da Bomba populacional, que iria matar a maior parte dos seres humanos à fome no ano 2000 (Erlich, "The Population Bomb"; Clube de Roma "Limits to Growth"), recursos naturais, que se iriam esgotar no início do séc XXI, sendo que já na década de 80 seriam cada vez mais caros (em 2000 eram todos mais baratos), a falta de água, colapso da agricultura, a extinção de metade das espécies vivas mundiais, e, agora em voga, o aquecimento global, o argumento central é sempre o mesmo e não parte de evidências empíricas, mas sim de uma mentalidade apocalíptica neo-malthusiana que parte da conclusão e vai à busca de evidências para as suas teses.

Todo o movimento ambientalista parte deste pressuposto de que a Terra (Gaia para os fâs mais religiosos) não vai tolerar mais esta exploração e violação dos seus próprios recursos e numa atitude revanchista vai mostrar a estes capitalistas "antinaturais" o erro dos seus modos e lançá-los outra vez à era das cavernas, se não ouvirmos a voz de Gaia, segundo o evangelho dos Ambientalistas :). O importante a reter no Ambientalismo é o conceito de Limite, que é a antítese do capitalismo, que pressupõe sempre a Expansão. Esta é a razão pela qual o Ambientalismo consegue reunir todos os marxistas nas suas causas, pois o inimigo comum é o projecto humanista-capitalista.

No entanto, este confronto é artificial. Por um lado, são as democracias capitalistas que têm o melhor ambiente e os níveis de poluição mais baixos, havendo uma melhoria ao longo das décadas de imensos critérios ecológicos documentados. Depois, em termos teóricos, os limites físicos discutidos pelos ambientalistas não são exactamente os mesmos que possam limitar a economia. Isto porque enquanto que os limites são naturais, a economia capitalista não é natural, é uma riqueza virtual que descreve relações económicas entre seres humanos e não necessariamente a utilização de recursos humanos. Esta separação entre a humanidade e a natureza é um conceito importante que é negado pelo ambientalismo em geral, que gosta de colocar muitas vezes equações genéricas como "Dinheiro = Energia", no debate dos limites energéticos (Peak Oil), "População = Terra Arável x Constante", no debate da sobrepopulação, escapando-lhes a noção de eficiências, alternativas, substituições, etc. No limite, pode-se perfeitamente imaginar uma sociedade humana vivendo totalmente de uma economia de materiais em carbono com o aproveitamento da energia solar ou de fusão. Neste cenário utópico, ultrapassámos os limites típicos pregados pelo ambientalismo em algumas dezenas de casas decimais.


Portanto o Ambientalismo que temos não aceita esta visão e adopta um carácter confrontacionista para com a ideologia do crescimento do projecto humano. Quando Bjorn Lomborg escreveu o seu livro "Ambientalista Céptico", onde o autor apresenta a boa nova de que se conseguiram feitos ambientalistas notáveis até ao ano 2000, e que nem todas as notícias são más, a nojeira que se seguiu, com uma perseguição das supostas camadas académicas ao homem sem precedentes e inenarrável (resultando no desprezo que o homem é hoje vítima). A ideia de que o progresso económico e tecnológico são realmente as melhores soluções ao problema ambientalista foi vista como uma heresia total. A tecnologia é vista não como uma solução mas sim como aquilo que nos levou a ter problemas.

Esta semana tivemos direito a testemunhar mais uma pequena variação desta obsessão em parar qualquer avanço tecnológico ou o próprio projecto humanista, quando a Nature publicou um estudo que indica que a exploração espacial privada, só por si, poderá aumentar a temperatura do planeta em 1ºC:

The findings, reported in a paper in press in Geophysical Research Letters1, suggest that emissions from 1,000 private rocket launches a year would persist high in the stratosphere, potentially altering global atmospheric circulation and distributions of ozone. The simulations show that the changes to Earth's climate could increase polar surface temperatures by 1 °C, and reduce polar sea ice by 5–15%.

"There are fundamental limits to how much material human beings can put into orbit without having a significant impact," says Martin Ross, an atmospheric scientist at the Aerospace Corporation in Los Angeles, California and an author of the study.


A linguagem Erlichiana está presente, intocada, ainda em 2010.

domingo, 10 de outubro de 2010

Mitchell Heisman #3

Mitchell Heisman 2


Já algures na página 750 da nota de suicídio do jovem Heisman que se suicidou dia 18 de setembro, 2010, mais um pequeno resumo, ou melhor, o que retiro, o que ainda me lembro de uma leitura muito fragmentada (para quando a compra de um e-reader ou um iPad para melhor ler este tipo de textos?).

Teorias interessantes. Continuando na senda da última posta, fala de como o Hitlerismo tem um princípio genético, onde a finalidade da existência humana é propagar os melhores genes, os do povo escolhido (Ariano). De como nunca poderia existir dois povos escolhidos (Ariano e Judaico), e de como os judeus têm uma ideologia totalmente diferente da nazi, onde o que interessa não é a questão genética, mas a questão memética. A ideia anti-genética de que o que interessa não é a côr da pele mas sim o carácter da pessoa. Hitler disse que o comunismo era o filho bastardo do cristianismo e que só poderiam os dois ter sido inventados por judeus.

Esta génese do liberalismo, do humanismo enquanto reflexão da tradição cristã céptica e questionante, entra em confronto com o vazio do racionalismo quando levado à sua finalidade total, segundo a intuição genial de Nietzsche que descobriu que todo o movimento racionalista continha em si uma semente de irracionalidade gerada pela cultura judaico-cristã. Quando se questiona esta semente, a posição de Martin Luther King deixa de ser óbvia. Hitler não tinha razão, a sua razão, através da sua racionalidade? O perigo do relativismo total e do nihilismo.... Nietzsche tinha avisado que seria preciso passar pelo nihilismo para compreendermos o seu erro. Daqui nasce Auschwitz.

E o SonderKommando. A lógica do Sonderkommando era simples. Judeus escolhidos para indicarem o caminho a outros judeus para serem gaseados. Tinham de mentir e depois de despojar os seus corpos. Se o não fizessem, seriam mortos, e desta maneira uma selecção artificial garantiria a existência deste tipo de judeus egoístas que preferiam condenar a sua "alma" do que a sua fisicalidade nas portas do inferno do Zykon B. Heisman faz a comparação psicológica entre a lógica judaica e a nazi. O nazi deixa o trabalho sujo para o sonderkommando, o nazi escolhe o sonderkommando através da selecção natural, pervertendo a lógica judaica do valor de cada ser humano contra o próprio povo que a defende. O holocausto é a resposta nazi à ideia anti-natural de deus e do humanismo.

Abre-se de seguida um capítulo que narra a história paralela entre o confronto milenar na grã-bretanha e a guerra civil americana. Segundo o autor, a conquista bem sucedida pela Normanda da Inglaterra em 1066, na qual oblitera toda a aristocracia inglesa e a substitui pelo povo normando, cria uma lógica de senhores - escravos que divide uma nação durante séculos, que está na origem das ideias liberais e igualitárias na grã-bretanha. Estas ideias apenas se concretizam na América que, mesmo depois da Constituição estar escrita, ainda se aceita a escravatura. A contradição inerente na constituição americana só é resolvida na guerra civil, onde a aristocracia do sul (muitos deles filhos de normandos) se bateu contra os anglo-saxões (ingleses "escravos" na Inglaterra) que tomaram o lado dos negros, pois neles se reviram contra a arrogância elitista genética dos sulistas.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Abuso de Marx

Já é um feito recorrente, um equívoco comum de que também eu fui vítima durante demasiado tempo. Mas à história há que fazer homenagem, e sermos sempre humildes, por um lado, e bem cépticos em relação a verdades que temos por demasiado evidentes.

Falo do equívoco que se faz à citação mais popular e dita infame de Karl Marx, que após a experiência da perseguição religiosa do séc. XX, não se lhe guarda nenhum amor, por assim dizer:

A religião é o ópio do povo


Lida assim descontextualizada, parece estarmos perante um manifesto anti-religioso, que aponta o dedo acusador à religião por ser um opiato, um serenador, uma ferramenta de controlo do poder sobre o povo, e que o povo, aparentemente (segundo a citação) parece gostar bastante (tal como gosta de ópio).

Mas lida no seguimento de todo o seu parágrafo (minha tradução), a citação ganha novos contornos desconhecidos por, diria, 99% de toda a população que conhece a citação popular:

O sofrimento (agonia) religioso é ao mesmo tempo a expressão de verdadeiro sofrimento e o protesto contra esse sofrimento. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como é o espírito de uma situação sem espírito algum. É o ópio do povo. A abolição da religião como a ilusão da felicidade é necessária para a sua verdadeira felicidade. A exigência do abandono da ilusão sobre a sua condição é a exigência do abandono da condição que necessita de ilusões.


Bem diferente. Na verdade, Marx não embarca na luta contra a religião por ser um ópio, embarca contra a situação que necessita do ópio para confortar o povo em condições miseráveis no séc. XIX.

Isto vem a propósito deste post do Diário Ateísta, que refere uma citação de Paul Dirac que vê a religião como

uma espécie de ópio que permite a uma nação tranquilizar-se com sonhos cobiçados e esquecer-se das injustiças que são perpetuadas contra as pessoas. Daí a aliança próxima entre essas duas grandes forças políticas, o Estado e a Igreja. Ambas necessitam da ilusão de que um Deus benevolente recompensa – no Céu se não na Terra – todos aqueles que não se elevaram contra a injustiça, que cumpriram com o seu dever sossegadamente e sem reclamar. É precisamente por isso que a asserção honesta de que Deus é um mero produto da imaginação humana é condenada como o pior de todos os pecados mortais


e da resposta inevitável, vinda por exemplo, daqui:

Sobre a originalidade, o João Vasco deveria ter vergonha de promover estas palavras, como se este discurso fosse novo. Ser ateu, é uma atitude compreensível. Mas fazer do ateísmo uma promessa de um mundo melhor para todos, e instigar o ódio à religião como inimigo público e obstáculo à felicidade das pessoas, é um filme repetido, gasto e com os resultados trágicos que se sabem..


Vê-se que tanto Dirac como o Jairo não entenderam Marx no seu original, ou então decidiram ignorá-lo e entrar numa conversa não sobre Marx, mas sobre Seneca, que famosamente um dia disse,

A religião é tida pelo povo como verdadeira, pelos sábios como falsa e pelos governantes como útil


,ou Napoleão, quando diz que a religião é o que impede os pobres de matarem os ricos.

Pelo contrário, a citação original de Marx é compreensiva do drama psicológico do ser humano que necessita de um conforto, de um espírito, de um coração perante tamanhas condições aberrantes. A mitologia sossega o espírito porque lhe dá esperança, confiança. Marx não está aqui a pregar ódio à Igreja, mas sim a fazer a sua análise pessoal do fenómeno religioso, e a garantir que a luta contra a ilusão faz-se através da "exigência do abandono da condição que necessita de ilusões". A melhoria da condição humana é a luta contra a ilusão da religião, não contra o seu espírito, o seu coração ou o seu "suspiro".

Concordarei que este equívoco foi manipulado por muita gente, bem ou mal intencionada. Mas parece-me apenas justo repôr a verdade histórica e pararmos de dizer asneiras sobre os nossos mortos.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

AG #7: A implosão do eco-terrorismo

O terrorismo já é um fenómeno antigo. O terrorismo fascista teve o seu ponto máximo (ou mais baixo) na década de 1930, com grupos nazis a espalhar o terror e a denunciar os judeus como a grande doença genética que impedia a grande alemanha de cumprir o seu destino como a herdeira legítima de Roma e Napoleão nas rédeas do mundo.

Mais tarde, o terrorismo islão parte de uma ideologia não genética em si, mas comportando uma moral ainda mais absoluta na sua luta contra os valores "judeus" e "cristãos" do liberalismo relativista, desta coisa desforme da tolerância e de um materialismo "nojento", cujo ponto de radicalização efectuou-se quando se concluiu que um muçulmano que aceitava esta americanização da sua cultura seria também um inimigo a abater. Esta radicalização chegou ao seu ponto lógico e absurdo de grupos terroristas abaterem-se uns aos outros e mesmo dentro dos próprios grupos. Uma implosão perfeita.

Este é o fim inevitável do terrorismo, já que ele pressupõe uma absurda categorização absoluta do bem e do mal, e na confrontação entre essa categorização e a realidade, o terrorista perde a noção de onde a "linha" se encontra, porque em boa verdade, a linha não existe senão na sua cabeça.

O resultado é que todo o tipo de ideologias terroristas acabam por se auto-denunciar inevitavelmente, quando passam a fronteira do senso e entram no território da perversão e do absurdo total, sem sequer terem qualquer noção desta realidade. Um destes fenómenos é o fenómeno do eco-terrorismo.

O eco-terrorismo nasce da ideia de que o planeta está à beira da catástrofe, por causa da acção combinada de milhares de milhões de humanos, pondo em causa a "sustentabilidade" da existência do próprio ecossistema. O próprio termo "sustentabilidade" pressupõe uma noção pagã de ciclos naturais, da primazia do natural sobre o humano, da primazia de uma harmonia eterna sobre a noção histórica humana. O terrorismo ecológico é uma consequência lógica do contraste entre a filosofia estagnante e eterna do natural (antropormorfizada no mito de Gaia) e o apocalipse revolucionário do capitalismo de uma economia sempre em crescendo. Tendo em conta a primazia da harmonia, todo o capitalista é um inimigo de Gaia. O capitalista que não se conforme com a ideia da estagnação material é um inimigo para o ecologista.

Tendo em conta que o ecologista vê tudo sobre o prisma natural, ele concebe também o capitalista como uma consequência natural dos ímpetos e desejos irracionais e primatas de macacos deixados à solta através da tecnologia moderna para destruir o mundo (o universo?). Há que corrigir o capitalista ou o consumidor. Através da propaganda ou do terror.

Este exemplo é o último. O movimento 10/10 tinha como objectivo reduzir em 10% o consumo de CO2 em dez de outubro no Reino Unido. Para este fim, produziu uma campanha publicitária singular, no qual uma série de situações onde a um grupo de crianças/empregados/jogadores/actriz é lhes perguntado se vão fazer alguma coisa nesse dia (take action). "No pressure", diz a professora/patrão/director desportivo/técnico de som. Os poucos que ousam dizer que não estão convencidos, levam com um botão vermelho que os explodem como se fossem geleia.

A reacção no youtube foi de tal maneira que eles já retiraram o vídeo passado menos de um dia, e hoje pedem desculpa pelo sucedido:




O problema não é o humor, mas o que ele expõe. A rir dizem-se as verdades, e aqui as verdades são que o id desta gentalha tem mesmo a vontade de explodir com todos os palermas que não se conformam com a ideologia ecológica, e que os atrasam constantemente seja no fiasco de Kioto ou no de Copenhaga. Esta campanha foi um flop tremendo, mas ao mesmo tempo é apenas o culminar de uma série de campanhas que se têm transcendido sucessivamente no mau gosto e no carácter fascista e totalitário destas ideologias anti-humanistas.

O vídeo original foi retirado do youtube, mas logo imensa gente inundou o site com cópias do original de modo a que esta memória infame não se perca. Aqui está uma delas:






domingo, 26 de setembro de 2010

Mitchell Heisman #2

Ponto de situação, tendo lido 388 páginas (admito, muito pela diagonal).

O tipo é inteligente e um péssimo escritor de clássicos. Repete-se muito. 388 páginas seriam condensáveis a 50, 60.

O primeiro capítulo sobre a divagação sobre o nihilismo e as suas contradições internas é bom. Recomenda-se, incisivo, provocante, corajoso. Vai até ao fim. E não se repete muito, o estilo é mordaz e sintético.

O segundo capítulo é bem mais demorado. Fala da Singularidade. O homem era um crente nesta religião chamada de geeks que prevê um crescimento explosivo da inteligência artificial alterando o mundo de uma maneira tão extraordinária que se torna impossível sequer fazer previsões sobre o que se passa para além do "horizonte de eventos" (imaginar segundos após activação da skynet, mas sem necessariamente o mesmo resultado).

Há algo nesta hipótese que é fascinantemente verdade, quer dizer, é algo que bebe da inevitabilidade do crescimento das capacidades tecnológicas, e que mesmo que não aconteça nestas décadas, neste século ou no outro, tem sempre uma aura de possibilidade "ao virar da esquina". Não deixa de ser uma religião, por motivos que não vou desenvolver por agora.

Existe uma ideia no livro que me parece super-interessante. Parte da análise do que é a Religião monoteísta, do que é o Judaísmo, e a revolução civilizacional que o código de Moisés é simbólico. Esta ideia nasce da visão darwinista dos genes. Segundo Dawkins, nós somos, em grande medida, "escravos" dos genes "egoístas". Somos máquinas de reprodução de genes, e todos os nossos comportamentos assim como estruturas sociológicas, são fruto ou consequência de um código genético.

No entanto, considere-se o Judaísmo com o seu código alternativo, escrito e ensinado, como uma rebeldia ao código genético, algo que tenta destronar o que é natural, e transformar o homem em algo SobreNatural. Heisman tem um argumento convincente no qual a etiqueta "SobreNatural" tem sido usada de modo errado na nossa cultura. A questão do que é sobrenatural é a questão do que é "Civilização" sobre o que é apenas "Genético", e que a revolução Mosaica é um "milagre" no sentido de ter sido uma revolução única e espantosa.

Esta revolução é interessante no sentido em que muda todo o imperativo genético, e tem como consequência a destruição da selecção natural. Tomando cada ser humano como filho de Deus, e igualmente importante, torna todo o ser individual como sendo mais importante do que a sua "raça", derivando-se todo o projecto progressista desta visão original. Num texto referente à constituição dos estados unidos, é feita a referência bíblica de "all men are created equal", e todo o projecto liberal surge do Judaísmo.

Mais, todo o processo Capitalista surge desta ideia liberal. O argumento é poderoso e interessante.

Derivam-se daqui várias ideias interessantes. Deus como Projecto Humano, e não como uma teoria do que existe. Tomás de Aquinas tinha como prova da existência de deus a ideia de que Deus era perfeito. E seria mais perfeito se ele existisse mesmo. Logo ele existe. Parece absurdo, mas veja-se de outro prisma. E se o que ele estivesse a fazer fosse propor a construção de Deus? Ver a Singularidade e a criação de uma IA super inteligente como a criação de Deus.

A religião não é assim uma ligação ao presente ou ao passado, mas antes uma revolução que se rebela contra o "mundo" darwiniano, e propõe uma moralidade, que é um Dever e não um Ser. Deus deve ser, e não propriamente é. Construindo uma religião, construíndo uma moralidade, uma imagem de Deus, e aperfeiçoando-a, não estamos senão a criar modelos do que é um paraíso na Terra, anti-darwinista, anti-genético, e a criar os moldes primários do que deve ser um esboço desse mundo futuro super-inteligente e ligado por uma ou várias IAs.

A diferença entre ciência e religião revela-se. Uma fala do que é, outra do que deve ser.

Todo este capítulo tem este tipo de ideias fascinantes. Fala igualmente de Auschwitz, e de como Hitler seguia uma lógica darwinista. Tudo bem, explicado daquela maneira até mastigo.


O capítulo seguinte fala de uma teoria bem provocante e curiosa. Jesus seria nascido de uma pequena moça que foi violada por um raid de romanos (que aconteceu mesmo), e que a sua obsessão por se auto-intitular filho de deus, derivava da vergonha tremenda e da posição super precária de nem ser um judeu nem um romano, de ser um símbolo vivo da violentação de Roma sobre Israel, alimentando a ideia de "pecado original", do qual temos de nos libertar, curar, salvar. Através da radicalização do Judaísmo, da radicalização do processo sobrenatural de total indiferença sobre o material, sobre a carne. Este processo acaba na sua crucifixão, evitando a hipocrisia.

Segue-se toda uma psicanálise sobre o carácter de Jesus e do Cristianismo. Giro.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mitchell Heisman

Senhor jovem, escreve 1905 páginas de filosofia, explanando a sua visão do mundo, e suicida-se. Logicamente. Pelo que li até agora, um jovem extravagante, inteligente e corajoso. Um aviso (ou não) para não se pensar de mais :). Para quem se interessar por suicidas geniais (ou não), o link fica aqui:

http://www.suicidenote.info/ebook/suicide_note.pdf

Via Lubos Motl.

AiD #1 (Apple is Doomed)

Nova rúbrica, apple is doomed é sobre a constante previsão de que os investimentos na maçã são sobrevalorizados e que as suas investidas nunca darão em nada de jeito, e da hilariante confrontação com a realidade.

Neste momento, o iPad e o iPhone são os alvos a abater em muita blogosfera. A ideia é a de que a Apple não conseguirá competir com o Android pelo facto de que este é "código livre", e que isto permite a muitas empresas construtoras de telemóveis um sistema operativo que seja quase igual ao iOS, mas mais barato, numa corrida ao "fundo" do mercado, sem margens de lucro, onde o consumidor irá ganhar (e a Apple, grande inimiga do consumidor, perderá), emulando o que se passou na década de 90 nos PCs.

No entanto, a analogia é péssima, por várias razões:

Primeiro, porque a Apple neste momento não é a Apple dos anos noventa, guiada por vendedores de refrigerantes (Sculley), ao invés de pessoas com visões mais criativas e originais.

Segundo, porque a Apple, nos anos noventa, já tinha processado todas as empresas que usaram o "look and feel" do macintosh e todas recuaram excepto a Microsoft que depois conquistou o mercado dos "pc IBM-DOS compatible". Neste momento existem várias propostas ao nível dos sistemas operativos de telemóveis e nenhuma vai monopolizar mercado algum.

Terceiro, a monopolização de um sistema operativo nos telemóveis é irrelevante para a adopção de outro sistema, já que ao contrário nos PCs, ninguém se vê obrigado a comprar um iPhone por só funcionar com outros iPhones. Ao contrário do mercado original de PCs, o mercado de telemóveis é extraordinariamente compatível entre si, facilitando a concorrência, e não a estagnação numa solução "popular".

Quarto, o Android não é nenhum Windows. Ninguém pode processar uma empresa por usar e modificar o Android como quiser sem pedir autorizações. É este o grande ponto de venda do Android, mas tal como o recente escândalo no qual a Google forçou a Motorola a abandonar o serviço de localização Skyhook em favor do seu próprio mostra, o termo "Open Source" deve ser lido com pronúncia Orwelliana. E o que havemos de pensar quando a intelligentsia da Engadget vê o regresso do Windows Phone 7 series como uma benesse ao mercado que acalme a Google nesta demonstração recente de "maldades"? É um mundo virado ao contrário...

Quinto, a existência de vários sistemas operativos garante que a concorrência fazer-se-á pelos atributos normais dentro de um mercado, e não por mecanismos monopolistas que garantiram um sucesso à sombra das bananeiras a empresas vulgares e sem gosto. Neste tipo de mercados, a Apple não terá problemas em competir.


Como evidência do que digo, basta-me mostrar este gráfico que mostra tão bem a diferença entre produzir um único aparelho, concentrar todos os investimentos de design, investigação, software, publicidade, etc. no mesmo e garantir que a marca simbolize o termo "Qualidade", e a estratégia de vender centenas de aparelhos com designs medianos, softwares ligeiramente diferentes e publicidades diversas, com um esvaziamento das marcas como resultado...:



Conclusão óbvia: Apple is Doomed.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Mentiras típicas de quem tem a Verdade Absoluta ao seu lado

Retirado de dois posts do Pharyngula. Estas gemas juntas são indissociáveis.

Primeiro, o papa na sua visita ao Reino Unido recitou esta pérola de parágrafo:

Even in our own lifetime, we can recall how Britain and her leaders stood against a Nazi tyranny that wished to eradicate God from society and denied our common humanity to many, especially the Jews, who were thought unfit to live. I also recall the regime's attitude to Christian pastors and religious who spoke the truth in love, opposed the Nazis and paid for that opposition with their lives. As we reflect on the sobering lessons of the atheist extremism of the twentieth century, let us never forget how the exclusion of God, religion and virtue from public life leads ultimately to a truncated vision of man and of society and thus to a "reductive vision of the person and his destiny".


http://bengoldacre.posterous.com/nazi-youth-pope-aligns-atheists-with-nazis-bi

Nazismo = ateísmo extremista. Aliás, era tão, tão extremo, que em 1933 os malditos ateus decidiram abolir todos os grupos ateístas e "freethinkers" na Alemanha:

"ATHEIST HALL CONVERTED

Berlin Churches Establish Bureau to Win Back Worshippers

Wireless to the New York Times.

BERLIN, May 13. - In Freethinkers Hall, which before the Nazi resurgence was the national headquarters of the German Freethinkers League, the Berlin Protestant church authorities have opened a bureau for advice to the public in church matters. Its chief object is to win back former churchgoers and assist those who have not previously belonged to any religious congregation in obtaining church membership.

The German Freethinkers League, which was swept away by the national revolution, was the largest of such organizations in Germany. It had about 500,000 members ..."

[New York Times, May 14, 1933, page 2, on Hitler's outlawing of atheistic and freethinking groups in Germany in the Spring of 1933, after the Enabling Act authorizing Hitler to rule by decree]


http://scienceblogs.com/pharyngula/2010/09/list_of_hitler_quotes_in_honor.php?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+scienceblogs%2Fpharyngula+%28Pharyngula%29&utm_content=Google+Reader


Ilegalizar o ateísmo era, como todos sabemos, o caminho mais rápido e mais avassalador, um blitzkrieg intelectual para transformar toda a sociedade em ateus. Aliás, há quem diga, e acertadamente, pelos vistos, de que Hitler tinha uma agenda profundamente judaica, e que a sua "solução final" foi apenas um engodo muito, muito esperto para enganar toda a gente. Ahhh, estes nazis eram mesmo maquiavélicos!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

AG #6 - Salvar vidas?

A organização de Alimentação dos Estados Unidos lançou uma preview do seu relatório anual. Este gráfico pareceu-me interessante:



Em 2009, vemos um pico que se deveu, segundo o site, a:

Given the increased importance of biofuels and the new linkages between agricultural and energy markets, increased cereal yields, if achieved, may not necessarily continue to lead to lower cereal prices. Because the world energy market is so much larger than the world grain market, grain prices may be determined by oil prices in the energy market as opposed to being determined by grain supply.



O que é interessante, porque coloca a ênfase na equivalência entre o preço da energia e a fome de um modo extraordinariamente directo. Isto parece-me ir contra todo o tipo de políticas que pretendem subir o preço da energia a nível global (e fazê-lo apenas no mundo ocidental já não vai alterar nada no panorama global das emissões CO2).

Isto demonstra o porquê dos países menos avançados estarem relutantes em avançarem politicamente com soluções ao "problema" do CO2. Porque se o problema, em última análise, é salvar vidas (e não o planeta), o tipo de solução que encareça a energia vai contra esse intuito de um modo bem mais directo e demonstrado do que os efeitos indirectos e ambíguos do CO2.


Outro pormenor interessante é a evolução da redução da fome durante os vários anos. Embora o número de pessoas que sofrem se tem mantido mais ou menos no mesmo nível, a percentagem claramente diminuiu. Em 1969, 900 milhões de pessoas em 3.6 mil milhões é cerca de 25%, enquanto que 925 milhões de pessoas em 6.8 mil milhões é de 13%.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

AG #6 - 48 hours

Lord Oxburgh conduziu um inquérito ao climategate, concluíndo que estava tudo porreiro pá, não houve incompetências nem fraudes nem nada. Um inquérito muito divulgado por toda a blogosfera como a prova final de que os cientistas são, afinal, pessoas de carne e osso, mas desonestos não, que isso não é coisa de cientista...

Houve quem no parlamento inglês não ficasse convencido com o detalhe e competência de um relatório de cinco páginas gerido por alguém com claros conflitos de interesse não declarados sobre o aquecimento global, pelo que ontem chamaram o senhor Oxburgh para uma conversa.

Steve McIntyre transcreve:

Q: we all appreciate . can I just clarify this point – you said that all the committee members stayed in Norwich.

Oxburgh – [unintelligible]

Q – OK. Does that mean that they were spending all their time on this report over that 2 week period?

Oxburgh – Not over 2 weeks. Probably over 4 days, 5 days something like that. They’d done a lot beforehand.

Q- How much time did each individual spend working on this report?

Oxburgh – Gosh, you mean altogether, not just in Norwich,

Q- You said that it had happened over a 3 week period but most of the time was spent in Norwich.

Oxburgh – People had done an immense amount of work before, one of the most important things. They had a really tough work schedule before they arrived. Then in Norwich, when they were there, they worked continuously. Total number of person-days spent on this was around 15. Something like that. It was… does that answer your question?

Note-se a evasão. 15 dias, mais ou menos, tendo em conta que se fizeram, mais ou menos, 4 não sei, talvez 5 dias de trabalho em Norwich, já nem me lembro bem, Mas não se conte assim pois sabe como é isto de pessoas cheias de trabalho e de uma competência enorme que não olha a horários, coisa tão século XX, essa das nove às cinco, hoje em dia as pessoas trabalham no avião, no carro, usando todo o tipo de tecnologias que nos serviriam para nos libertar e não escravizar, mas é este afinal o resultado! Por isso não nos condenem logo à partida por eu dizer apenas 4, 5 dias. O que é facto é que nem sabemos de tão pouco sono que temos disponível...

Steve McIntyre:

Through FOI requests, we have obtained the actual schedule of the Oxburgh panel online here.
(...)

Travel arrangements (obtained through FOI) show that this schedule was adhered to. Oxburgh arrived in Norwich at 6:30 pm on the evening of April 6 and had a train reservation back to Cambridge at 3.40 pm on April 8.
(...)

Re-reading the schedule, it seems that the panel only spent a relatively small portion of its time actually interviewing Jones, Briffa and the CRU Team – who, by the way, seem to have been interviewed collectively rather than individually – and most of its time in “Discussion”.

No doubt Oxburgh was happy to do a favor for the UK government Chief Scientist, but surely Beddington should have thought twice about asking a favour from someone who is chairman of a subsidy-seeking wind utility (Falck Renewables).

In addition to the session of the full panel on April 7 and part of April 8, previously on March 30, Lisa Graumlich had visited CRU together with Hand and Oxburgh and met with Briffa in the morning from 9.15 to 10.45 and had panel discussions as well.

As to Oxburgh’s description of his ordeal in Norwich as “4 days, 5 days”, I’m highly sympathetic to the idea that spending almost 48 hours in Norwich seemed like “4 days, 5 days”, but using conventional time measurement techniques – such as checking the day of the week – the panel actually spent less than two days in Norwich, skipping town just as Geoffrey Boulton arrived for his one interview with CRU the next day about proxies, neither panel having bothered to compare itineraries, with Oxburgh and Hand spending an extra day in Norwich (and Graumlich only one).

Again, while Oxburgh didn’t correct the impression that the MP had been left with, Oxburgh himself didn’t expressly say that the panel had spent “most” of three weeks in Norwich.




Independentemente de todas as confusões nas descrições, as capacidades destes cientistas espantam-me todos os dias, o feito de levarem 48 horas a fazerem um trabalho de 3 semanas é algo que ficará nos anais da gestão laboral e, certamente, um case-study para qualquer outra actividade tão transparente, e obviamente competente como esta.


Update:

Steve McIntyre faz um apanhado da situação noutro post:


Um artigo de Harrabin (BBC) muito interessante sobre este inquérito, já de 5 de Julho, a ver aqui:

tem um pormenor interessante:


Since this article was published, the University of East Anglia has told the BBC that it asked the Panel chaired by Lord Oxburgh to consider whether "data had been dishonestly selected, manipulated and/or presented to arrive at pre-determined conclusions that were not compatible with a fair interpretation of the original data". The university says it is not true that Professor Davies subsequently asked Lord Oxburgh to adopt a "narrower brief" of any kind.



O problema é que Lord Oxburgh não cumpriu esta missão, de todo, avisando que o seu papel não era avaliar a ciência. Que fez ele então? Uma reunião formaleca com uns tipos porreiros, assinar uns papéis rapidamente de modo a não perder a oportunidade de um bom jantar na companhia de tão ilustres cientistas...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Show them hell Hitch!

Bestselling atheist author Christopher Hitchens showed plenty of spunk and energy in a debate tonight in Birmingham despite undergoing recent chemotherapy for esophageal cancer.

(...)

At a luncheon earlier in the day with Hitchens and Berlinski, Taunton asked Hitchens about his health problems. "Well, I'm dying, since you asked," Hitchens replied. "So are you, but I'm doing it faster and in more rich and fecund detail."

Hitchens, who has lost his hair since he debated Lennox in Birmingham last year, said he is in his fourth course of chemotherapy and it has shrunk the tumors. Hitchens said he continues to write and hopes to do a book about the Ten Commandments.

http://blog.al.com/spotnews/2010/09/atheist_author_christopher_hit_1.html


Para quem não acredita na existência de ateus na hora da morte, Hitchens é um exemplar perfeito que demole a hipótese da cobardia mental. O crente, a certa altura, aparentemente testemunha que se encontrar que a história religiosa em que acredita não for verdade, que isso arruinaria a sua vida. Don't give up so easily, propõe quem está prestes a perdê-la. Não é paradoxal que um ateu, totalmente consciente da sua brevidade neste mundo (e noutros), demonstre tão maior (na vida) do que um crente que passou a vida a pregá-la?

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Divagações sobre o Real

Uma coisa que eu reparo neste mar de pensamentos é que, paralelamente a todas as discussões mais ou menos fúteis sobre as obsessões que nos tomam as margens encefálicas quotidianas, existe sempre um pressuposto básico que cada um pressupõe que os outros também o partilham, ou pelo menos deveriam partilhar.

Esse pressuposto é a natureza e característica do que é a Verdade, do que são feitas as ideias, se existe algo que se pode denominar de Absoluto, se o Real é algo atingível ou representável, etc.

Esta discussão divide tradicionalmente duas oposições. Uma, que garante que o Absoluto existe, que é verdade que existe algo que se possa dizer absolutamente Verdade, que coisas totais são parte do nosso universo. Outra há que garante que o absoluto é uma invenção religiosa, ou pelo menos uma tradição religiosa, que a verdade, sendo uma catalogação humana de uma série de postulados sobre determinadas observações empíricas, nunca poderá ser maiusculizada e tornada Absoluta. Existe uma fingida de terceira (Rorty), que se denomina de minimalista, que diz que palavras como "verdade" só têm sentido se usadas de um modo muito específico, e que portanto todo o debate sobre a "Verdade" simplesmente desaparece como uma nuvem mística. Digo fingida, porque para mim, não passa de um Relativismo bastante particular e preciso, e portanto pertencente à "segunda" opção.

Ou seja, não há aqui Tertium Datur: negando a verdade absoluta como ilusória, entramos num universo de relações entre proposições e observações, de mutações no modo como se usam e se reinventam as representações dessas mesmas observações, seguindo as pressões sociais e culturais. No caso científico, uma enorme pressão para melhorar a precisão, a capacidade de previsão, a simplicidade, harmonia, beleza matemática, etc., resultaram numa representação da realidade que, em alguns campos, roçam mesmo a ideia que temos de verdade absoluta. O que é irónico é que foi necessária uma metodologia que pressupõe uma constante correcção e cepticismo nas representações vigentes da realidade, uma metodologia que compreende a fragilidade dos conceitos utilizados em qualquer situação, a contingência de toda a variável sobre todo o resto do sistema representacional, em suma, uma metodologia relativista, que permitiu chegarmos a um ponto *quase* absoluto.

E este quase é importante, porque O nega. Por mais precisos que sejamos, temos a perfeita noção de que não temos ainda a verdade absoluta, e que a precisão absoluta é inatingível. Temos um conhecimento frágil e contingente, mas extraordinário.

Eu, pessoalmente, nego a primeira proposição. Acho que a existência da "Verdade", até sendo possível a sua existência, é-nos tão útil como o deus dos filósofos. Se algo é eternamente verdade, seria até possível atingimo-la, mas como saberíamos, com toda a certeza? Seria, por definição, impossível. Logo, uma noção inútil.

AG #5 - Conversation shift

Desde o tempo de Oreskes e o seu estudo que falava numa certeza absoluta na ciência, ou desde as afirmações de Al Gore nas quais "o debate acabou", que muita coisa aconteceu. Hoje, depois de uma luta aguerrida na blogosfera, de todas as gaffes e escândalos cometidos pelo status quo, e depois de uma mais subtil mas permanente chamada à razão para o debate público do aquecimento global, parece-me que a discussão entra num outro patamar, onde o histerismo não tem lugar e uma conversa racional sobre o que realmente sabemos, o que não sabemos, as incertezas e as questões lógicas, filosóficas, políticas, etc. ganham toda a sua matiz desde o cinza mais claro ao cinza mais escuro, deixando o negro e o branco puros para uma era menos madura.

Não sei se é uma tendência para o futuro. Pode apenas revelar uma facção activista ferida e ensanguentada pelos confrontos, descansando ou preparando um novo ímpeto polarizante.

O que sei é que, por enquanto, a questão climática está a ser discutida de um modo mais adulto. Gostei, entre outras coisas, de ouvir o tom desta reportagem da BBC, Uncertain Climate, do repórter Roger Harrabin. Duas partes em 30 minutos cada.

A ouvir.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Goddidit - a história interminável de uma não explicação

Luís - Epá, viste aquele incêndio?
Manuel - Sim, foi realmente um desastre.
Luís - É evidência que Deus existe.
Manuel - Como?!? Um desastre deste tamanho...?
Luís - Ora bem. Pois que outra explicação tens para este incêndio? É claramente vontade divina. Deus criou isto!
Manuel - Ora! Pode muito bem ter sido provocado por um relâmpago por exemplo! Como vês, vontades desse tipo são desnecessárias...
Luís - Ó Manuel, vocês ateus são tão ingénuos. Então explica-me lá, de onde vem esse relâmpago? Não é ele tão claramente um grito divino? Uma expressão do Alto? Deus criou isto!
Manuel - Que eu saiba, os relâmpagos surgem devido a diferenças de potência eléctrica entre as várias nuvens com o terreno... ou com florestas neste caso...
Luís - Estes ateus e as suas respostas racionais, mas nem consegues explicar de onde a floresta nasce. Tanta complexidade! Só Deus poderia criar uma coisa assim!
Manuel - Bem, não é bem verdade, sabes que uma imensidão temporal aliada a uma selecção natural lenta mas permanente tem a tendência de criar exactamente o tipo de riqueza biológica que encontras na floresta...
Luís - Já me irritas. Pois isso pode muito bem ser verdade, mas é inegável que a selecção não explica o seu início, a sua origem. Que eu saiba a célula original é demasiado complexa para ter surgido "por acaso". Deus criou isto!
Manuel - Mas não surgiu, sabes, existe todo um campo de investigação sobre a Abiogénese, que estuda precisamente como a matéria se organizou para criar as primeiras proto-células e mais tarde as células... a investigação sugere que existe de facto um caminho viável entre a matéria inanimada e a criação de vida sem intervenção divina...
Luís- Teorias... apenas teorias! Mas dando isso de barato, de onde veio a Terra e o Sol? Claramente, objectos tão perfeitos e ricos em matéria só podem ter sido criados por Deus!
Manuel - Mas não Luís! Estrelas e planetas há-os aos triliões de triliões, e são das coisas mais comuns no universo... a própria vida pode ser perfeitamente um fenómeno trivial.
Luís - Seja, Manuel, mas tanto tu como eu sabemos que este universo teve um início! A Bíblia previu isto!
Manuel - A bíblia fala de um universo com 6 mil anos criados em 6 dias...
Luís - Não sejas literalista! Claramente fala de um início do universo. Ora, pareces ser muito esperto e explicas muita coisa que se passa no universo, mas como explicas o Big Bang? Como é que se iniciou tamanha explosão?
Manuel - O Big Bang é apenas a consequência das leis naturais, é algo que parece ter sido completamente inevitável.
Luís - És tão ingénuo. Então diz lá de onde vêm as leis?
Manuel - Here we go again...

AG #4

Como não tenho muito tempo livre, remeto-me a apontar alguns textos chave, após a publicação do relatório do InterAcademy of Sciences sobre os feitos e desfeitos do IPCC.

Dou a palavra a William Briggs:

Now, whether the IAC is sufficiently qualified to dress down the IPCC down is debatable. But dress them down they have. In a brutal report, the IAC found that the IPCC leadership was “less agile and responsive than it needs to be” in answering it many criticisms.


Este parágrafo do relatório é interessante:

[The IPCC should] give greater attention to assessing uncertainties and confidence in [key findings]. Avoid trivializing statements just to increase their confidence…Determine the areas in your chapter where a range of views may need to be described…to form a collective view on uncertainty or confidence.


William continua:

For examples of “Structural uncertainty”, they say, “Inadequate models, incomplete or competing conceptual frameworks, lack of agreement on model structure, ambiguous system boundaries or definitions, significant processes or relationships wrongly specified or not considered.”

Finally, “Value uncertainty: Missing, inaccurate or non-representative data, inappropriate spatial or temporal resolution, poorly known or changing model parameters.”

The IAC had to tell the IPCC that their pronouncements should not be spoken in the same tone Moses used when descending Sinai; they reminded the IPCC that “probabilistic approaches are available” and that they should consider reporting “ranges of outcomes and their associated likelihoods”. To make this complete, there’s a sarcastic lesson on rhetoric: “A 10% chance of dying is interpreted more negatively than a 90% chance of surviving.”

(...)

But the IAC wasn’t finished. The knife was already in and had already cut the vital organs, but they gave it a twist anyway, by stating, “[The IPCC should] be aware of a tendency for a group to converge on an expressed view and become overconfident in it”. About this quip Bertie Wooster would have said, “And they meant it to sting!”


O spin dado pelo status quo é completamente diferente. No Real Climate:

It appears mostly sensible and has a lot of useful things to say about improving IPCC processes – from suggesting a new Executive to be able to speak for IPCC in-between reports, a new communications strategy, better consistency among working groups and ideas for how to reduce the burden on lead authors in responding to rapidly increasing review comments.

(...)

The suggestions made here will mostly strengthen the credibility of the next IPCC, particularly working groups 2 and 3, though whether it will make the conclusions less contentious is unclear.


A ver também o comentário da Nature, com um título mais adequado, "IPCC must adapt to survive".

AG #3

Wall Street Journal:

This week's report, in keeping with three earlier investigations into the University of East Anglia's Climatic Research Unit, limited its inquiry to the "processes and procedures" of the IPCC. While it found those wanting, it also saw no need to question their scientific result.

That's too bad, since the state of the science has moved on considerably since the IPCC concluded in its 2007 report that climate change was "unequivocal." A forthcoming paper in Annals of Applied Statistics details the uncertainties in trying to reconstruct historical temperatures using proxy data such as tree rings and ice cores. Statisticians Blakeley McShane and Abraham Wyner find that while proxy records may relate to temperatures, when it comes to forecasting the warming observed in the last 30 years, "the proxies do not predict temperature significantly better than random series generated independently of temperature."


(Isto é sobre o enterro do chamado "Hockey Stick"....)

Also, last month, New Phytologist published a series of papers examining the Amazon rain forest's vulnerability to drought, following years of increasingly dire predictions that anthropogenic carbon emissions and global warming will kill off Amazon trees. Climatologist Peter Cox, a co-author on four of those papers, told us, "One of the things that turns out to be important is the extent to which tropical forests respond positively to CO2 increases."


Ou seja, nem se sabe se o efeito é positivo ou negativo... Conclui,


None of this proves or disproves anything, except that our understanding of how our climate works is still evolving. Is it too much to ask the climate establishment to acknowledge as much?


Usando a língua original, I wouldn't hold my breath. O que é curioso é que quando, 6 anos atrás, Michael Crichton defendeu esta mesma tese (a de que sabemos muito menos do que pretendemos saber sobre o clima), foi incinerado pelos media. Hoje, passados quase 2 anos após a sua morte, os media lentamente adoptam a sua posição. Não tenho é grandes expectativas de que o próximo relatório do IPCC, em 2014, chegue a esta humildade (embora hajam indicações nesse sentido). Talvez em 2021?

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Boa posta, esta do Climate Resistance.

Simms would never let a good crises go unexploited. But there is no reason why the ‘kind of extreme events’ seen in Russia and Pakistan this summer could be entirely eliminated. The world could have easily produced a surplus of grain, and Pakistan’s civil infrastructure could have been developed, such that people could be at least protected from so much moving water. It’s what didn’t happen which cause these problems, not what nature threw at the world. It’s worth pointing out that problems of drought are fundamentally problems of relying on natural processes for sustenance – which the NEF want us to do more of. But increasing our dependence on natural processes necessarily means risking more to the whims and changes of nature, making us more vulnerable to what happened in Russia, not less. In the case of Pakistan, once again it has been shown that it is those who live ‘sustainable’, ‘low-impact’ lifestyles — advocated by the NEF — who are most vulnerable to nature. It’s poor people who live under those ‘ecological dominoes’, not the policy directors of self-regarding ‘think’ tanks.


Precisely ;)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Aterações Climáticas #2: outra vez o SS

Parece perseguição mas não é. É só um pequeno apontamento. No Skeptical Science (céptico no sentido de ser "céptico do cepticismo", nas suas próprias palavras), um novo post sobre as evidências das alterações climáticas provocadas pelo homem, contém pelo menos dois erros (pela qualidade do blog, diria que deverá conter centenas, mas contento-me a listar dois).

O primeiro é um ponto mais geral, no qual não é só o site que erra, mas muita blogosfera por aí, incluíndo muita gente "céptica", que é a binarização da questão. Levando a questão ao nível de seriedade desta gente, seríamos obrigados a aceitar que a questão abrangente sobre as políticas ambientais se resumem a uma questão binária, ou há aquecimento global antropogénico ou não. Se há, devemos adoptar toda a agenda ambientalista (e seremos "negacionistas" se o não fizermos), se chegarmos à conclusão que não há é porque somos fundamentalmente parvos criacionistas, etc.

Isto é um empobrecimento e uma chantagem intelectual inaceitável. Existem imensas cadeias de raciocínio nas quais posso estar perfeitamente de acordo nalgum ou noutro ponto, mas não em todos. Por exemplo, concordar com a evidência geral de que alteramos o clima não implica necessariamente concordar com a análise mais alarmista da mesma. Concordar com a existência de possibilidades alarmantes pode resultar numa ideia precaucionária, ou por outro lado na conclusão de que sabemos demasiado pouco. Concordar com uma ideia precaucionária pode ou não resultar em diferentes ideias políticas, diferentes estratégias económicas ou até de recursos naturais. Esta diversidade na planície de possibilidades intelectuais é uma coisa que o movimento ambientalista despreza, porque considera que é um desperdício de tempo, ou até uma estratégia deliberada para adiar medidas que tanto promovem.

Neste sentido, o "cepticismo" climático acontece em vários terrenos bem diferentes, enquanto que sites como este promovem a ideia de que o que está em causa é a ciência básica, a questão binária de se estamos ou não a "alterar o clima", como se a resposta a esta questão fosse a última relevante. Não é.

O segundo é mais estúpido e mesquinho da minha parte. Não é propriamente um erro. Mas gostei de reparar que das dez "evidências" das alterações climáticas, 4 são evidências sobre o aumento de CO2 na atmosfera, 2 sobre o efeito básico de estufa do CO2 e apenas os outros 4 são sobre consequências indirectas do CO2 na atmosfera. Todos estes pontos são mostrados apenas binariamente (positivo/negativo). E depois não há sequer referência a evidências empíricas que contrariam a tese. É assim que se distingue um panfleto propagandístico de um artigo "céptico"...

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Alterações Climáticas #1

Booom. Aqui começa a grande tirada, a grande demanda contra uma ideia que é, para todos os efeitos, considerada por muitos como a grande questão do "século". Para mim, esta ideia é completamente ridícula e cronocêntrica, com uma falta de imaginação que me irrita de sobremaneira.


Mas comecemos devagar. Existe toda uma blogosfera aos gritos, com sites mais técnicos e outros mais propagandistas. Uns mais oficiais e outros mais em ritmo de hobby. Entre os propagandistas, incluo um que tem um nome Orwelliano: Skeptical Science. Digo Orwelliano, não porque considere que um site que advogue o problema do AG não possa ser "céptico", mas porque é um nome que não representa de modo nenhum o site.

É um site que procura dar "respostas" aos "argumentos comuns" dos cépticos. Uma espécie de formulário de respostas pré-preparadas para todos os leitores que se encontrem com esses heréticos ignorantes que estão a impedir grandes mudanças políticas que são os negacionistas das alterações climáticas.

O problema destas respostas é que são tudo menos "cépticas". São propaganda pura e dura. Não há ali nenhum pensamento que não seja o de dar a certeza ao leitor de que não há debate na ciência, que tudo é claro, e que só não nos mexemos porque somos estúpidos, etc.

Em resumo, é um perfeito exemplo do pior que a blogosfera tem para oferecer.

Vejamos um exemplo. Num post recente, falam de modelos e de como se sabe que são bons a prever o futuro:

Climate models have to be tested to find out if they work. We can’t wait for 30 years to see if a model is any good or not; models are tested against the past, against what we know happened. If a model can correctly predict trends from a starting point somewhere in the past, we could expect it to predict with reasonable certainty what might happen in the future.

So all models are first tested in a process called Hindcasting. The models used to predict future global warming can accurately map past climate changes. If they get the past right, there is no reason to think their predictions would be wrong. Testing models against the existing instrumental record suggested CO2 must cause global warming, because the models could not simulate what had already happened unless the extra CO2 was added to the model. Nothing else could account for the rise in temperatures over the last century.


Alguém vê a falácia enorme no raciocínio? "If they get the past right, there is no reason to think their predictions would be wrong" é uma parvoíce tremenda que se diz. Não é preciso ter um doutoramento em modelação probabilística para saber que esta frase é ou desonesta intelectualmente, ou um atestado de ignorância ao autor.

Vamos lá a ver se nos entendemos. Primeiro, "prever o passado" não é façanha extraordinária. Um modelo que preveja determinados fenómenos que os modeladores já têm conhecimento prévio é apenas um atestado de não imbecilidade dos modeladores em não fazer um modelo que nem sequer consiga alinhar-se com a história climática da Terra. Não deixa de ser completamente ad hoc, com o problema adicional de que dá tanto ao modelador como ao leitor a impressão errada de uma certeza maior sobre as capacidades do modelo do que seria salutar.

E isto não é novidade nenhuma, quer dizer, qualquer teoria científica que "explique" observações históricas é melhor do que uma que não as explique, mas esta não é razão suficiente para a adoptar. Aquilo que um modelo tem de fazer é prever novas observações que sejam suficientemente extraordinárias para termos a certeza de que esta teoria é realmente boa.

Isto quer dizer que não chega, como o post diz, prever que o ártico aqueceu bastante, que o aquecimento se dá sobretudo à noite, etc.. É preciso sublinhar todas as previsões dos modelos, e fazer uma lista do que acertou e também do que falhou. Isto porque qualquer modelo naif terá sempre previsões certas e outras erradas. E o que é facto é que os modelos falharam em imensas previsões, sendo as que acertaram bastante triviais.

Por exemplo, prever que o planeta "aquece" é trivial. Não é grande façanha, já que existem apenas duas hipóteses para o planeta Terra: ou aquece, ou arrefece. Uma previsão que seria possível acertar apenas atirando uma moeda para o ar em 50% das hipóteses é "algo", mas não é "extraordinário". Isto num ramo científico mais rigoroso, como a Física, seria ridicularizável.

Especialmente, se quisermos deles retirar conclusões do que se vai passar daqui a cem anos.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

férias

bom dia. Para avisar que o blog (ainda) não morreu. Está apenas de férias, já que o autor não está. Está pelo contrário a preparar grandes mudanças na sua vida.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Caridade

"O problema da caridade é que substitui a política"

Bernard Henry Levi, num debate com Zizek, aqui

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Livre Arbítrio 2

Como já vimos no post anterior, a própria noção de "Livre Arbítrio" parece ser fundamentalmente contraditória. Ela assume que cada "Ser" pensante, "Alma", etc., seja capaz de fazer decisões de um modo independente das partes que compõem este "Ser", chamemos-lhes o que quisermos, personalidade, juízo, razão, emoção, ou então qualquer jargão psicológico ou ainda neurológico. Isto, clarom faz pouco sentido. É praticamente auto-evidente que é uma combinação de estados de cada uma destas nossas características que determinam as nossas escolhas. A soma destas partes, que são relativamente fáceis de abstrair, compõem o todo que somos. Por sua vez, cada sub-entidade poderá ser repartida por outros conflitos e diálogos internos, processos que compõem essas sub-entidades. Na minha teoria favorita, materialista que é, imagino que será assim até se chegar aos bosões e fermiões.

Walt Whitmann disse uma vez:

Do I contradict myself? Very well, then I contradict myself, I am large, I contain multitudes.

Daniel Dennett, uma estrela ateísta (mas segundo soube, pouco tido em conta em círculos neuro-científicos) propõe uma hipótese, a de que o cérebro é composto por uma plêiade de entidades em conflito, e que num processo ligeiramente semelhante à selecção natural, existe sempre um grupo de ideias, de personalidades, de desejos ou atitudes que "ganham" a luta pelo controlo do ser. É uma ideia, e faz parte daquilo a que se chama de compatibilismo, ou seja, uma filosofia na qual a ideia de "Livre Arbítrio" (ou um resquício dela) é redefinida e requalificada de modo a se compatibilizar com o Determinismo. (É a ideia mais em voga na filosofia neste momento)

Freud propôs a divisão do ser em três, talvez buscando uma certa inspiração na trindade cristã. O id, que luta pelos desejos mais íntimos e primordiais, eu quero fazer isto, o superego, que luta por aquilo que pensa ser um valor superior, por aquilo que é moral, isto é o que deve ser feito, e o ego, que tenta sempre arranjar uma solução que agrade aos dois bullys que o rodeiam, isto é o que vou fazer.

Independentemente do modelo que assumamos, e existem-nos às bagatelas já que estas entidades, embora fáceis de apreender e catalogar não serão tão fáceis de organizar (ainda não temos um modelo do cérebro humano), o que importa aqui assumir é a existência de uma organização. Aquilo que escandaliza o "Senso Comum" é a possibilidade de não haver neste percurso reducionista de observarmos as escalas cada vez menores nenhuma alteração qualitativa daquilo que observamos. São processos com sub-processos com sub-sub-processos .... até chegarmos aos fermiões, com quarks, com supercordas, etc. Não há aqui nenhum passe de mágica, uma coisa "especial", a flutuar em mini-nuvens de doçura branca com um halo brilhante à volta em lado algum.

O problema da ausência do passe de mágica é duplo. Primeiro, as pessoas deixam de ser "responsáveis" pelos seus actos.... Isto já é uma doença adivinhável: "querida, desculpa ter-te traído, mas foram os meus genes que me obrigaram" é uma frase que poderia tornar-se ridiculamente comum, não fosse a patente humilhação a que o adúltero se veria forçado. Neste sentido, pode-se imaginar algum advogado mais criativo a tentar absolver o seu cliente com o argumento de que foi o cérebro dele que o fez fazer isto (não havia um sketch dos Monty Phyton que discutia precisamente isto?). Caos social total! Nada é responsável por nada, e todos aqueles que se desculpavam das suas asneiras com o sistema, ou a sociedade, agora têm um apoio inesperado na filosofia e na ciência.

O segundo é aquilo a que o John Searle chama a atenção, o facto de que, por mais que racionalmente pensemos que a versão determinista é a verdadeira, e não possuímos um "Livre Arbítrio" real, verdadeiro (seja lá o que isto quer dizer), o facto é que não conseguimos aceitar isto, é "contra-natura" e toda a nossa mente se rebela contra a ideia. Uma vez perguntaram a Searle, se, tendo um dia todas as evidências necessárias para demonstrar a falta de "Livre Arbítrio", se ele aceitaria o facto. Searle goza com a ironia ingénua da pergunta e eu concordo que tem piada. Vejamos o seguinte diálogo:

- Do you believe in fate, Neo?
- No.
- Why not?
- 'Cause I don't like the idea that I'm not in control of my life.
- I know exactly what you mean.

Quem não consegue simpatizar com esta negação? O problema é que isto não é nenhum argumento em si, mas apenas um apelo emotivo. Searle é alguém que ao tentar fugir do determinismo do universo, refugia-se no indeterminismo da Mecânica Quântica, e ele é o primeiro a envergonhar-se da referência, de tão absurda que é.

Como resolver então o problema? A que se refere o termo "Livre Arbítrio", ou a que pode ele se referir, como pensar a liberdade, etc.?

A minha sugestão é que o problema está mal equacionado, está mal enunciado e o raciocínio inerente é contraditório. Como exemplo temos o problema mais famoso de Zenão, o grego, o da tartaruga e o da lebre. Segundo a formulação de Zenão, a lebre nunca atingiria a tartaruga, e o raciocínio parecia bom, embora absurdo. Com a formulação mais correcta e rigorosa, percebemos que não era esse o caso, e que o paradoxo é apenas fruto de um raciocínio tosco. O que proponho é que aqui lidamos com um problema semelhante, ou seja, que a ideia de livre arbítrio parece fazer sentido, mas apenas até o formularmos com todo o rigor.

O problema psicológico descreve-se desta maneira: nós sentimos que a todo o momento temos várias possibilidades, uma planície de coisas que podemos fazer, basta escolhê-las ou não. Este sentimento é fulcral para as nossas próprias capacidades de escolha. O determinismo diz-nos que é precisamente o contrário que acontece: tudo aquilo que escolhemos é determinado por coisas que "não controlamos", e que apesar de pensarmos que poderíamos ter escolhido outro "caminho" no passado, isto é uma ilusão total, existe apenas uma linha única temporal (com todos os caveats que o gato de Schrodinger coloca.

Mas há aqui um erro. O erro está, a meu ver, na antropomorfização da própria matéria, como se ela tivesse o "poder" de fazer as coisas, e nós fôssemos apenas "marionetas" de um teatro cósmico. Isto não é verdade, já que a própria noção de "poder" é humano, e descreve coisas humanas, não cósmicas. O erro está também numa desagregação conceptual do ser humano nas suas composições, como se algo fosse apenas a soma das suas partes, e de repente não passamos "de um monte de átomos sem alma". Não é verdade.

Proponho a seguinte formulação que me parece mais correcta: Nós somos uma organização hiper-complexa de átomos, proteínas, ADN, células, etc. que, através da acção determinista das coisas que nos compõem, somos capazes de tomar escolhas, escolhas estas que fazem parte do universo determinista, ou seja, que existem de facto (embora sejam inevitáveis), e que elas ajudam a moldar e a construir o mundo que nós desejamos.

Será esta visão uma espécie de Calvinismo Secular? E se esta é de facto, a realidade, não é então tudo o que fazemos, ou decidimos fazer, irrelevante? Não é esta uma resposta que insatisfaz o "Neo" que está dentro de nós?

Talvez. E por isso é que a questão me fascina. Antes de acabar o post, quero no entanto reparar num aspecto curioso sobre este calvinismo secular. É que existe uma diferença peculiar entre controlar o nosso destino e acreditar que controlamos o nosso destino. É que a segunda, mesmo num universo determinista, tem implicações estrondosas na nossa vida. Ou seja, os seres humanos que acreditam nisto têm um impacte muito diferente daqueles que não acreditam nisto. E aqui neste pormenor reside um paradoxo curioso.