domingo, 26 de setembro de 2010

Mitchell Heisman #2

Ponto de situação, tendo lido 388 páginas (admito, muito pela diagonal).

O tipo é inteligente e um péssimo escritor de clássicos. Repete-se muito. 388 páginas seriam condensáveis a 50, 60.

O primeiro capítulo sobre a divagação sobre o nihilismo e as suas contradições internas é bom. Recomenda-se, incisivo, provocante, corajoso. Vai até ao fim. E não se repete muito, o estilo é mordaz e sintético.

O segundo capítulo é bem mais demorado. Fala da Singularidade. O homem era um crente nesta religião chamada de geeks que prevê um crescimento explosivo da inteligência artificial alterando o mundo de uma maneira tão extraordinária que se torna impossível sequer fazer previsões sobre o que se passa para além do "horizonte de eventos" (imaginar segundos após activação da skynet, mas sem necessariamente o mesmo resultado).

Há algo nesta hipótese que é fascinantemente verdade, quer dizer, é algo que bebe da inevitabilidade do crescimento das capacidades tecnológicas, e que mesmo que não aconteça nestas décadas, neste século ou no outro, tem sempre uma aura de possibilidade "ao virar da esquina". Não deixa de ser uma religião, por motivos que não vou desenvolver por agora.

Existe uma ideia no livro que me parece super-interessante. Parte da análise do que é a Religião monoteísta, do que é o Judaísmo, e a revolução civilizacional que o código de Moisés é simbólico. Esta ideia nasce da visão darwinista dos genes. Segundo Dawkins, nós somos, em grande medida, "escravos" dos genes "egoístas". Somos máquinas de reprodução de genes, e todos os nossos comportamentos assim como estruturas sociológicas, são fruto ou consequência de um código genético.

No entanto, considere-se o Judaísmo com o seu código alternativo, escrito e ensinado, como uma rebeldia ao código genético, algo que tenta destronar o que é natural, e transformar o homem em algo SobreNatural. Heisman tem um argumento convincente no qual a etiqueta "SobreNatural" tem sido usada de modo errado na nossa cultura. A questão do que é sobrenatural é a questão do que é "Civilização" sobre o que é apenas "Genético", e que a revolução Mosaica é um "milagre" no sentido de ter sido uma revolução única e espantosa.

Esta revolução é interessante no sentido em que muda todo o imperativo genético, e tem como consequência a destruição da selecção natural. Tomando cada ser humano como filho de Deus, e igualmente importante, torna todo o ser individual como sendo mais importante do que a sua "raça", derivando-se todo o projecto progressista desta visão original. Num texto referente à constituição dos estados unidos, é feita a referência bíblica de "all men are created equal", e todo o projecto liberal surge do Judaísmo.

Mais, todo o processo Capitalista surge desta ideia liberal. O argumento é poderoso e interessante.

Derivam-se daqui várias ideias interessantes. Deus como Projecto Humano, e não como uma teoria do que existe. Tomás de Aquinas tinha como prova da existência de deus a ideia de que Deus era perfeito. E seria mais perfeito se ele existisse mesmo. Logo ele existe. Parece absurdo, mas veja-se de outro prisma. E se o que ele estivesse a fazer fosse propor a construção de Deus? Ver a Singularidade e a criação de uma IA super inteligente como a criação de Deus.

A religião não é assim uma ligação ao presente ou ao passado, mas antes uma revolução que se rebela contra o "mundo" darwiniano, e propõe uma moralidade, que é um Dever e não um Ser. Deus deve ser, e não propriamente é. Construindo uma religião, construíndo uma moralidade, uma imagem de Deus, e aperfeiçoando-a, não estamos senão a criar modelos do que é um paraíso na Terra, anti-darwinista, anti-genético, e a criar os moldes primários do que deve ser um esboço desse mundo futuro super-inteligente e ligado por uma ou várias IAs.

A diferença entre ciência e religião revela-se. Uma fala do que é, outra do que deve ser.

Todo este capítulo tem este tipo de ideias fascinantes. Fala igualmente de Auschwitz, e de como Hitler seguia uma lógica darwinista. Tudo bem, explicado daquela maneira até mastigo.


O capítulo seguinte fala de uma teoria bem provocante e curiosa. Jesus seria nascido de uma pequena moça que foi violada por um raid de romanos (que aconteceu mesmo), e que a sua obsessão por se auto-intitular filho de deus, derivava da vergonha tremenda e da posição super precária de nem ser um judeu nem um romano, de ser um símbolo vivo da violentação de Roma sobre Israel, alimentando a ideia de "pecado original", do qual temos de nos libertar, curar, salvar. Através da radicalização do Judaísmo, da radicalização do processo sobrenatural de total indiferença sobre o material, sobre a carne. Este processo acaba na sua crucifixão, evitando a hipocrisia.

Segue-se toda uma psicanálise sobre o carácter de Jesus e do Cristianismo. Giro.

3 comentários:

  1. os romanos eram uma força de ocupação muito disciplinada, chicote,cruz e esventramento
    constam do código militar mesmo em casos que seriam considerados ligeiros
    o exército tinha lupanares próprios para impedir casos que levassem a mal estar numa população fundamentalista e propícia a revoltas
    (que tal como no Afeganistão
    suscitou o apoio dos civis aos talibans no pós Barbak-Karmal regime)

    logo a teoria parece rebuscada
    tanto mais que se tal acontecesse provavelmente seria lapidada como acontece ainda hoje
    (miuda de 13 anos somali acusada de adultério)

    já agora Deus podia ser essa IA super inteligente é um dos contos de Asimov
    que se repete
    o super-computador que se transforma em deus

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  2. Sim, é um dos contos dele. "The Last Question", 1954, lembro-me do ano e tudo. Depois o tretas do tuga da Teve teve o descaramento de copiar a ideia no seu romance da treta.

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  3. logo a teoria parece rebuscada

    Existiram grandes escaramuças entre Israel e Roma. O raid de 4 antes de cristo, o autor diz estar bem fundamentado na história. Não sei, não verifiquei, não me parece nada rebuscado. A ideia de que Jesus é meio romano é que já poderá ser algo rebuscado. Mas é uma hipótese. Algo engraçada.

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