sexta-feira, 12 de novembro de 2010

AG #9 : A politicização da Ciência, e a cientificação da Política.

Existe, desde há muito tempo, uma idealização do que deve ser a relação entre a política e a ciência, que consiste num modelo simples e eficaz, no qual a ciência produz verdades, publica os seus resultados no domínio público e depois a política decide o que fazer sobre isto. Pielke Jr chama-lhe o modelo linear de ciência e decisão, é bastante consensual, baseando-se na distinção "is-ought" de David Hume. De factos não se derivam valores e decisões, resultando em tarefas divididas.

Mas a sociedade humana não é assim tão simples. Desde logo porque um cientista é um cidadão, e também tem preocupações. Muitas vezes vemos cientistas altamente especializados não só a divulgarem as suas preocupações e achados científicos, mas também a promover opiniões (algumas incrivelmente ridículas) sobre como lidar com essas descobertas. Quando este fenómeno se prolonga, vemos cientistas a opinar política, mas também vemos a ciência, a observação de factos a servirem de argumentos políticos, resultando num ambiente no qual a ciência é política.

Isto é um erro crasso, e é algo que se observa de um modo incrivelmente extenso em todas as temáticas Ambientalistas. É um erro, porque a ciência transforma-se, inadvertidamente, num meio politico de ganhar apoios para determinados fins ideológicos, e porque depois se criam dois efeitos pérfidos.

O primeiro problema é a moralização da ciência, no qual o ambiente social dentro de determinado campo científico cria divisões entre quem está do lado "certo" e do lado "errado" não em termos científicos, mas em termos morais. Enquanto que o desconforto social de quem está errado empiricamente resulta sempre em melhor ciência, o desconforto social de quem está errado ideologicamente nunca resulta em grande coisa. Dito de outra forma, a pressão evolutiva é a errada, e criam-se feedbacks positivos preocupantes, gerando mitos e medos catastrofistas que pouco mais são do que exageros brutais de fenómenos reais. What the Green Movement Got Wrong foi um documentário feito por Mark Lynas, um ambientalista de renome que repensou muitos dos mitos que tinha por verdades quase absolutas, tais como o Nuclear e as GM serem maléficas. Mark, o mesmo tipo que disse “I wanted to put a Baked Alaska in his smug face", referindo-se a Lomborg, por defender também coisas atípicas de um "bom ambientalista".

Mas há muitos mais exemplos interessantes.

a. Chuvas ácidas

Quem não se lembra do horror das chuvas ácidas? Eu já nem me lembrava, até ler este artigo muito bem escrito no The Times:

We have been here before. In 1984, acid rain was the environmental scare of the day. As the science correspondent of The Economist, I wrote: `Forests are beginning to die at a catastrophic rate. One year ago, West Germany estimated that 8% of its trees were in trouble. Now 34% are...that forests are in trouble is now indisputable.’ Experts told me all Germany’s conifers would be gone by 1990 and the Federal Ministry of the Interior predicted all forests would be gone by 2002.

Bunk. Acid rain (though a real phenomenon) did not kill forests. It did not even damage them. Scientists eventually admitted that forests thrived in Germany, Scandinavia and North America during the 1980s and 1990s, despite acid rain. I was a gullible idiot not to question the conventional wisdom I was being fed by those with vested interests in alarm.


b. Espécies em Vias de Extinção.

Sugiro a leitura de outro blog excelente de um especialista na matéria, liberal de pensamento (leia-se: de esquerda), Stephen Budiansky:

The astonishingly wrong and repercussion-free prediction of imminent doom that first riveted my attention was the claim of the impending mass extinction of the Earth's species. In 1979, the biologist Norman Myers declared that a fifth of all species on the planet would be gone within two decades. This prediction was based upon . . . absolutely no evidence whatsoever. Myers acknowledged that the documented species extinction rate of animals was 1 per year; he then asserted that scientists had "hazarded a guess" that the actual rate was 100 per year; he then speculated that government inaction was "likely to lead" to several thousand or even tens of thousands a year, which would add up to as much as a million species over two decades. (This was when people thought there were 5 million species; the best guess now is at least 10 million.) It swiftly became conventional wisdom.

Subsequently, an attempt was made to give these made-up numbers a patina of scientific respectability that was in many ways an even worse abuse of scientific logic and evidence. In the 1990s E. O. Wilson began citing the so-called "species–area relation" as the basis for predicting that tens of thousands of species were being extirpated a year by habitat loss caused by forest clearing. Wilson popularized various numbers ranging from 4,000 to 100,000 species a year being lost, and these numbers were repeated over and over again in environmental groups' fundraising literature, in congressional testimony, in speeches by Al Gore (who in 1993 said that "one-half of all species" could disappear in our lifetime, apparently an extrapolation of Wilson's and Ehrlich's pronouncement, in a 1991 paper in Science, that as many as a quarter of all rain forest species will disappear in 30 years).

Read more: http://budiansky.blogspot.com/2010/09/teflon-doomsayers.html#ixzz157VcaKFL


c. Acidificação dos oceanos

Argumento ainda em voga. Excepto de que é uma patetice, conforme descoberto pelo autor do livro "Rational Optimist" (outro Lomborg?):

The scary reasoning rests on the argument that lower pH will mean less dissolved carbonate in the water. But a new paper from scientists in North Carolina proves what many scientists have long suspected, namely that corals and other species do not use carbonate as raw material to make their shells; they use bicarbonate. And dissolving carbon dioxide in water actually increases bicarbonate concentrations.
(...)
This may explain why study after study keeps finding that far from depressing growth rates of marine organisms, high but realistic levels of carbon dioxide either do not affect them or increase them.
(...)
When I voiced some of these doubts in my book The Rational Optimist, I was accused of cherry-picking studies. All right, so let’s take a look at a `meta-analysis’, that is to say a comprehensive paper summarising all relevant studies. Iris Hendriks and Carlos Duarte of the Spanish Council for Scientific Research found that in 372 studies of 44 different marine species `there was no significant mean effect’ from lower pH. They concluded that the world’s marine biota are `more resistant to ocean acidification than suggested by pessimistic predictions’ and that ocean acidification `may not be the widespread problem conjured into the 21st century.'


.... e no entato é um dos argumentos mais usados na internet, como uma espécie de "backup" para quem não leve demasiado a sério o aquecimento global, "e atão a saúde dos oceanos?"

Podíamos continuar a noite inteira nisto. Os DDT que eram "venenosos", a camada de Ozono que aparentemente não é tão sensível aos CFCs como pensávamos, etc., etc., etc.

A questão mais pertinente é, em que é que uma ciência ideológica, i.e., Ambientalismo, consegue sequer acertar?


O segundo problema é a transformação de uma aceitação de factos para uma escolha de factos. Ou seja, se a ciência se torna politicizada, então quem se opõe ao projecto sugerido por quem está do "lado da ciência" não só se oporá à política, como sobretudo à ciência. E este fenómeno acontece apesar de qualquer ciência discutida. E se a esquerda é tradicionalmente ambientalista, isso não se deve a uma maior preocupação perante o meio ambiente, mas sim a uma visão política estatista e anti-corporativista. O ambientalismo cai que nem uma luva nesta ideologia, e entra-se numa narrativa na qual as grandes mega-corporações internacionais nos estão a lixar o planeta, é necessário mais controlo, mais regulação, etc. O Ambientalismo não é um objectivo da Esquerda, é uma ferramenta. Agora, se a direita é tradicionalmente céptica a qualquer ambientalismo, isso não se deve a um total egoísmo e irracionalidade da sua parte, mas sim a uma desconfiança milenar sobre o controlo estatal e a sobre-regulamentação, corrupção e deturpação de mercados que resultam sempre dos planos ambientalistas. A objecção não é científica, é política, e eu penso que este é um equívoco grave que deve ser corrigido.

O resultado é uma manipulação constante da ciência, poluindo não só as suas práticas como minando a sua respeitabilidade. Por outro lado, o desenvolvimento de uma ideologia anti-capitalista e anti-humanista como uma visão respeitável do futuro, substituindo outras visões ideológicas mortas, essas sim humanistas e positivas.

Mas este século não é um de Sonhos, Visões, mas sim um de Pesadelos.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

AG #8: Climatismo, o projecto anti-humanista

Eu gosto de contradições e paradoxos. Sempre os aceitei, sobretudo em questões políticas, estéticas ou poéticas. Por exemplo, a contradição entre ser-se um liberal que compreende o valor individual de cada um, e a importância de nos inserirmos num corpo social com um contracto social. São conceitos incoerentes e cheios de conflitos entre si, mas não é por isso que deixam de ser importantes, e presto homenagem a ambas.

E por isto mesmo sempre entendi o ambientalismo como sendo uma ideologia com as suas negatividades, mas que seriam sempre vistas nesta luz de contradições. Aliar o humanismo ao ambientalismo parecia-me uma imagem inevitável, bonita e pacífica, e acho que muita gente há de concordar com isto. No entanto, é preciso aqui compreendermos que o Humanismo é uma ideologia totalmente inversa ao Ambientalismo, e os seus confrontos são muito mais profundos e irreconciliáveis do que aparentam à primeira vista.

O Humanismo nasce no seio de uma cultura judaico-cristã, que venera o indivíduo e a sua alma, a liberdade humana, a responsabilidade pessoal, que gera por sua vez todo um sistema capitalista que funciona melhor se cada átomo da sua estrutura, cada indivíduo, seja dotado daquilo a que hoje chamamos de "Direitos Humanos". Esta ideia, a de que cada ser humano tem "Direitos" só por existir é algo estupendo e anti-natural. Já Adolfo Hitler desprezava este conceito ridículo de haver "Direitos" de pessoas que nunca fizeram algo para os merecer, e considerava tanto o liberalismo económico como o comunismo "doenças" anti-naturais.

Esta questão do "Anti-Naturalismo" do projecto iluminista, do projecto humanista, e do capitalista, que partilham imensos pontos comuns, faz parte de imensas críticas dos séculos anteriores, incluíndo o próprio Marx, que via nesta revolução de métodos de produção o perigo de sobreprodução e colapso do sistema, e que imaginava um retorno a um "paraíso" original, a economia de uma aldeia, etc.

O projecto de Hitler, por outro lado, era um projecto de recriar o Reich romano em um milhar de anos. Claramente, a ideia nazi não era a de um projecto de exponenciação de possibilidades tecnológicas e materiais, mas sim a da estabilidade e sustentabilidade. Em boa verdade, o partido nazi era um partido altamente ecológico, proibindo a caça, entre muitas outras medidas extraordinariamente originais e ainda hoje seriam consideradas vanguardistas. Isto porque via o ser humano não como uma "alma" especial com "direitos" a priori, mas sim como um ser dentro de um ecossistema darwiniano, que dominava devido ao seu poder e força, mas que lhe deveria respeito e veneração.

O projecto capitalista liberal era um que, no entanto, era totalmente antinatural. Colocava o Homem acima de todas as outras coisas, e as relações económicas entre homens livres como seu dogma ideológico. Este projecto não é "sustentável". É um projecto de expansão eterna, de progresso tecnológico e de avanços nas metodologias de produção exponenciais. É um projecto que tem como objectivo a produção de uma utopia paradisíaca, um desligamento do homem com a natureza, a artificialização completa do mundo, a riqueza material e intelectual de todos os seres humanos. Este antinaturalismo expõe o carácter exploratório de tudo o que não tem "Direitos", nomeadamente todo o mundo natural à sua volta. O mundo é explorado e não recebe compensação material por isso, é o nosso "escravo".

É nesta luz que o Ambientalismo surge na década de 60, reciclando e reutilizando (hehe) conceitos nazis e comunistas anticapitalistas, com o argumento simples de que o projecto capitalista vai esgotar a natureza e expôr a civilização humana à deteriorização dos ecossistemas que a sustentam. Desde a questão da Bomba populacional, que iria matar a maior parte dos seres humanos à fome no ano 2000 (Erlich, "The Population Bomb"; Clube de Roma "Limits to Growth"), recursos naturais, que se iriam esgotar no início do séc XXI, sendo que já na década de 80 seriam cada vez mais caros (em 2000 eram todos mais baratos), a falta de água, colapso da agricultura, a extinção de metade das espécies vivas mundiais, e, agora em voga, o aquecimento global, o argumento central é sempre o mesmo e não parte de evidências empíricas, mas sim de uma mentalidade apocalíptica neo-malthusiana que parte da conclusão e vai à busca de evidências para as suas teses.

Todo o movimento ambientalista parte deste pressuposto de que a Terra (Gaia para os fâs mais religiosos) não vai tolerar mais esta exploração e violação dos seus próprios recursos e numa atitude revanchista vai mostrar a estes capitalistas "antinaturais" o erro dos seus modos e lançá-los outra vez à era das cavernas, se não ouvirmos a voz de Gaia, segundo o evangelho dos Ambientalistas :). O importante a reter no Ambientalismo é o conceito de Limite, que é a antítese do capitalismo, que pressupõe sempre a Expansão. Esta é a razão pela qual o Ambientalismo consegue reunir todos os marxistas nas suas causas, pois o inimigo comum é o projecto humanista-capitalista.

No entanto, este confronto é artificial. Por um lado, são as democracias capitalistas que têm o melhor ambiente e os níveis de poluição mais baixos, havendo uma melhoria ao longo das décadas de imensos critérios ecológicos documentados. Depois, em termos teóricos, os limites físicos discutidos pelos ambientalistas não são exactamente os mesmos que possam limitar a economia. Isto porque enquanto que os limites são naturais, a economia capitalista não é natural, é uma riqueza virtual que descreve relações económicas entre seres humanos e não necessariamente a utilização de recursos humanos. Esta separação entre a humanidade e a natureza é um conceito importante que é negado pelo ambientalismo em geral, que gosta de colocar muitas vezes equações genéricas como "Dinheiro = Energia", no debate dos limites energéticos (Peak Oil), "População = Terra Arável x Constante", no debate da sobrepopulação, escapando-lhes a noção de eficiências, alternativas, substituições, etc. No limite, pode-se perfeitamente imaginar uma sociedade humana vivendo totalmente de uma economia de materiais em carbono com o aproveitamento da energia solar ou de fusão. Neste cenário utópico, ultrapassámos os limites típicos pregados pelo ambientalismo em algumas dezenas de casas decimais.


Portanto o Ambientalismo que temos não aceita esta visão e adopta um carácter confrontacionista para com a ideologia do crescimento do projecto humano. Quando Bjorn Lomborg escreveu o seu livro "Ambientalista Céptico", onde o autor apresenta a boa nova de que se conseguiram feitos ambientalistas notáveis até ao ano 2000, e que nem todas as notícias são más, a nojeira que se seguiu, com uma perseguição das supostas camadas académicas ao homem sem precedentes e inenarrável (resultando no desprezo que o homem é hoje vítima). A ideia de que o progresso económico e tecnológico são realmente as melhores soluções ao problema ambientalista foi vista como uma heresia total. A tecnologia é vista não como uma solução mas sim como aquilo que nos levou a ter problemas.

Esta semana tivemos direito a testemunhar mais uma pequena variação desta obsessão em parar qualquer avanço tecnológico ou o próprio projecto humanista, quando a Nature publicou um estudo que indica que a exploração espacial privada, só por si, poderá aumentar a temperatura do planeta em 1ºC:

The findings, reported in a paper in press in Geophysical Research Letters1, suggest that emissions from 1,000 private rocket launches a year would persist high in the stratosphere, potentially altering global atmospheric circulation and distributions of ozone. The simulations show that the changes to Earth's climate could increase polar surface temperatures by 1 °C, and reduce polar sea ice by 5–15%.

"There are fundamental limits to how much material human beings can put into orbit without having a significant impact," says Martin Ross, an atmospheric scientist at the Aerospace Corporation in Los Angeles, California and an author of the study.


A linguagem Erlichiana está presente, intocada, ainda em 2010.

domingo, 10 de outubro de 2010

Mitchell Heisman #3

Mitchell Heisman 2


Já algures na página 750 da nota de suicídio do jovem Heisman que se suicidou dia 18 de setembro, 2010, mais um pequeno resumo, ou melhor, o que retiro, o que ainda me lembro de uma leitura muito fragmentada (para quando a compra de um e-reader ou um iPad para melhor ler este tipo de textos?).

Teorias interessantes. Continuando na senda da última posta, fala de como o Hitlerismo tem um princípio genético, onde a finalidade da existência humana é propagar os melhores genes, os do povo escolhido (Ariano). De como nunca poderia existir dois povos escolhidos (Ariano e Judaico), e de como os judeus têm uma ideologia totalmente diferente da nazi, onde o que interessa não é a questão genética, mas a questão memética. A ideia anti-genética de que o que interessa não é a côr da pele mas sim o carácter da pessoa. Hitler disse que o comunismo era o filho bastardo do cristianismo e que só poderiam os dois ter sido inventados por judeus.

Esta génese do liberalismo, do humanismo enquanto reflexão da tradição cristã céptica e questionante, entra em confronto com o vazio do racionalismo quando levado à sua finalidade total, segundo a intuição genial de Nietzsche que descobriu que todo o movimento racionalista continha em si uma semente de irracionalidade gerada pela cultura judaico-cristã. Quando se questiona esta semente, a posição de Martin Luther King deixa de ser óbvia. Hitler não tinha razão, a sua razão, através da sua racionalidade? O perigo do relativismo total e do nihilismo.... Nietzsche tinha avisado que seria preciso passar pelo nihilismo para compreendermos o seu erro. Daqui nasce Auschwitz.

E o SonderKommando. A lógica do Sonderkommando era simples. Judeus escolhidos para indicarem o caminho a outros judeus para serem gaseados. Tinham de mentir e depois de despojar os seus corpos. Se o não fizessem, seriam mortos, e desta maneira uma selecção artificial garantiria a existência deste tipo de judeus egoístas que preferiam condenar a sua "alma" do que a sua fisicalidade nas portas do inferno do Zykon B. Heisman faz a comparação psicológica entre a lógica judaica e a nazi. O nazi deixa o trabalho sujo para o sonderkommando, o nazi escolhe o sonderkommando através da selecção natural, pervertendo a lógica judaica do valor de cada ser humano contra o próprio povo que a defende. O holocausto é a resposta nazi à ideia anti-natural de deus e do humanismo.

Abre-se de seguida um capítulo que narra a história paralela entre o confronto milenar na grã-bretanha e a guerra civil americana. Segundo o autor, a conquista bem sucedida pela Normanda da Inglaterra em 1066, na qual oblitera toda a aristocracia inglesa e a substitui pelo povo normando, cria uma lógica de senhores - escravos que divide uma nação durante séculos, que está na origem das ideias liberais e igualitárias na grã-bretanha. Estas ideias apenas se concretizam na América que, mesmo depois da Constituição estar escrita, ainda se aceita a escravatura. A contradição inerente na constituição americana só é resolvida na guerra civil, onde a aristocracia do sul (muitos deles filhos de normandos) se bateu contra os anglo-saxões (ingleses "escravos" na Inglaterra) que tomaram o lado dos negros, pois neles se reviram contra a arrogância elitista genética dos sulistas.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Abuso de Marx

Já é um feito recorrente, um equívoco comum de que também eu fui vítima durante demasiado tempo. Mas à história há que fazer homenagem, e sermos sempre humildes, por um lado, e bem cépticos em relação a verdades que temos por demasiado evidentes.

Falo do equívoco que se faz à citação mais popular e dita infame de Karl Marx, que após a experiência da perseguição religiosa do séc. XX, não se lhe guarda nenhum amor, por assim dizer:

A religião é o ópio do povo


Lida assim descontextualizada, parece estarmos perante um manifesto anti-religioso, que aponta o dedo acusador à religião por ser um opiato, um serenador, uma ferramenta de controlo do poder sobre o povo, e que o povo, aparentemente (segundo a citação) parece gostar bastante (tal como gosta de ópio).

Mas lida no seguimento de todo o seu parágrafo (minha tradução), a citação ganha novos contornos desconhecidos por, diria, 99% de toda a população que conhece a citação popular:

O sofrimento (agonia) religioso é ao mesmo tempo a expressão de verdadeiro sofrimento e o protesto contra esse sofrimento. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como é o espírito de uma situação sem espírito algum. É o ópio do povo. A abolição da religião como a ilusão da felicidade é necessária para a sua verdadeira felicidade. A exigência do abandono da ilusão sobre a sua condição é a exigência do abandono da condição que necessita de ilusões.


Bem diferente. Na verdade, Marx não embarca na luta contra a religião por ser um ópio, embarca contra a situação que necessita do ópio para confortar o povo em condições miseráveis no séc. XIX.

Isto vem a propósito deste post do Diário Ateísta, que refere uma citação de Paul Dirac que vê a religião como

uma espécie de ópio que permite a uma nação tranquilizar-se com sonhos cobiçados e esquecer-se das injustiças que são perpetuadas contra as pessoas. Daí a aliança próxima entre essas duas grandes forças políticas, o Estado e a Igreja. Ambas necessitam da ilusão de que um Deus benevolente recompensa – no Céu se não na Terra – todos aqueles que não se elevaram contra a injustiça, que cumpriram com o seu dever sossegadamente e sem reclamar. É precisamente por isso que a asserção honesta de que Deus é um mero produto da imaginação humana é condenada como o pior de todos os pecados mortais


e da resposta inevitável, vinda por exemplo, daqui:

Sobre a originalidade, o João Vasco deveria ter vergonha de promover estas palavras, como se este discurso fosse novo. Ser ateu, é uma atitude compreensível. Mas fazer do ateísmo uma promessa de um mundo melhor para todos, e instigar o ódio à religião como inimigo público e obstáculo à felicidade das pessoas, é um filme repetido, gasto e com os resultados trágicos que se sabem..


Vê-se que tanto Dirac como o Jairo não entenderam Marx no seu original, ou então decidiram ignorá-lo e entrar numa conversa não sobre Marx, mas sobre Seneca, que famosamente um dia disse,

A religião é tida pelo povo como verdadeira, pelos sábios como falsa e pelos governantes como útil


,ou Napoleão, quando diz que a religião é o que impede os pobres de matarem os ricos.

Pelo contrário, a citação original de Marx é compreensiva do drama psicológico do ser humano que necessita de um conforto, de um espírito, de um coração perante tamanhas condições aberrantes. A mitologia sossega o espírito porque lhe dá esperança, confiança. Marx não está aqui a pregar ódio à Igreja, mas sim a fazer a sua análise pessoal do fenómeno religioso, e a garantir que a luta contra a ilusão faz-se através da "exigência do abandono da condição que necessita de ilusões". A melhoria da condição humana é a luta contra a ilusão da religião, não contra o seu espírito, o seu coração ou o seu "suspiro".

Concordarei que este equívoco foi manipulado por muita gente, bem ou mal intencionada. Mas parece-me apenas justo repôr a verdade histórica e pararmos de dizer asneiras sobre os nossos mortos.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

AG #7: A implosão do eco-terrorismo

O terrorismo já é um fenómeno antigo. O terrorismo fascista teve o seu ponto máximo (ou mais baixo) na década de 1930, com grupos nazis a espalhar o terror e a denunciar os judeus como a grande doença genética que impedia a grande alemanha de cumprir o seu destino como a herdeira legítima de Roma e Napoleão nas rédeas do mundo.

Mais tarde, o terrorismo islão parte de uma ideologia não genética em si, mas comportando uma moral ainda mais absoluta na sua luta contra os valores "judeus" e "cristãos" do liberalismo relativista, desta coisa desforme da tolerância e de um materialismo "nojento", cujo ponto de radicalização efectuou-se quando se concluiu que um muçulmano que aceitava esta americanização da sua cultura seria também um inimigo a abater. Esta radicalização chegou ao seu ponto lógico e absurdo de grupos terroristas abaterem-se uns aos outros e mesmo dentro dos próprios grupos. Uma implosão perfeita.

Este é o fim inevitável do terrorismo, já que ele pressupõe uma absurda categorização absoluta do bem e do mal, e na confrontação entre essa categorização e a realidade, o terrorista perde a noção de onde a "linha" se encontra, porque em boa verdade, a linha não existe senão na sua cabeça.

O resultado é que todo o tipo de ideologias terroristas acabam por se auto-denunciar inevitavelmente, quando passam a fronteira do senso e entram no território da perversão e do absurdo total, sem sequer terem qualquer noção desta realidade. Um destes fenómenos é o fenómeno do eco-terrorismo.

O eco-terrorismo nasce da ideia de que o planeta está à beira da catástrofe, por causa da acção combinada de milhares de milhões de humanos, pondo em causa a "sustentabilidade" da existência do próprio ecossistema. O próprio termo "sustentabilidade" pressupõe uma noção pagã de ciclos naturais, da primazia do natural sobre o humano, da primazia de uma harmonia eterna sobre a noção histórica humana. O terrorismo ecológico é uma consequência lógica do contraste entre a filosofia estagnante e eterna do natural (antropormorfizada no mito de Gaia) e o apocalipse revolucionário do capitalismo de uma economia sempre em crescendo. Tendo em conta a primazia da harmonia, todo o capitalista é um inimigo de Gaia. O capitalista que não se conforme com a ideia da estagnação material é um inimigo para o ecologista.

Tendo em conta que o ecologista vê tudo sobre o prisma natural, ele concebe também o capitalista como uma consequência natural dos ímpetos e desejos irracionais e primatas de macacos deixados à solta através da tecnologia moderna para destruir o mundo (o universo?). Há que corrigir o capitalista ou o consumidor. Através da propaganda ou do terror.

Este exemplo é o último. O movimento 10/10 tinha como objectivo reduzir em 10% o consumo de CO2 em dez de outubro no Reino Unido. Para este fim, produziu uma campanha publicitária singular, no qual uma série de situações onde a um grupo de crianças/empregados/jogadores/actriz é lhes perguntado se vão fazer alguma coisa nesse dia (take action). "No pressure", diz a professora/patrão/director desportivo/técnico de som. Os poucos que ousam dizer que não estão convencidos, levam com um botão vermelho que os explodem como se fossem geleia.

A reacção no youtube foi de tal maneira que eles já retiraram o vídeo passado menos de um dia, e hoje pedem desculpa pelo sucedido:




O problema não é o humor, mas o que ele expõe. A rir dizem-se as verdades, e aqui as verdades são que o id desta gentalha tem mesmo a vontade de explodir com todos os palermas que não se conformam com a ideologia ecológica, e que os atrasam constantemente seja no fiasco de Kioto ou no de Copenhaga. Esta campanha foi um flop tremendo, mas ao mesmo tempo é apenas o culminar de uma série de campanhas que se têm transcendido sucessivamente no mau gosto e no carácter fascista e totalitário destas ideologias anti-humanistas.

O vídeo original foi retirado do youtube, mas logo imensa gente inundou o site com cópias do original de modo a que esta memória infame não se perca. Aqui está uma delas:






domingo, 26 de setembro de 2010

Mitchell Heisman #2

Ponto de situação, tendo lido 388 páginas (admito, muito pela diagonal).

O tipo é inteligente e um péssimo escritor de clássicos. Repete-se muito. 388 páginas seriam condensáveis a 50, 60.

O primeiro capítulo sobre a divagação sobre o nihilismo e as suas contradições internas é bom. Recomenda-se, incisivo, provocante, corajoso. Vai até ao fim. E não se repete muito, o estilo é mordaz e sintético.

O segundo capítulo é bem mais demorado. Fala da Singularidade. O homem era um crente nesta religião chamada de geeks que prevê um crescimento explosivo da inteligência artificial alterando o mundo de uma maneira tão extraordinária que se torna impossível sequer fazer previsões sobre o que se passa para além do "horizonte de eventos" (imaginar segundos após activação da skynet, mas sem necessariamente o mesmo resultado).

Há algo nesta hipótese que é fascinantemente verdade, quer dizer, é algo que bebe da inevitabilidade do crescimento das capacidades tecnológicas, e que mesmo que não aconteça nestas décadas, neste século ou no outro, tem sempre uma aura de possibilidade "ao virar da esquina". Não deixa de ser uma religião, por motivos que não vou desenvolver por agora.

Existe uma ideia no livro que me parece super-interessante. Parte da análise do que é a Religião monoteísta, do que é o Judaísmo, e a revolução civilizacional que o código de Moisés é simbólico. Esta ideia nasce da visão darwinista dos genes. Segundo Dawkins, nós somos, em grande medida, "escravos" dos genes "egoístas". Somos máquinas de reprodução de genes, e todos os nossos comportamentos assim como estruturas sociológicas, são fruto ou consequência de um código genético.

No entanto, considere-se o Judaísmo com o seu código alternativo, escrito e ensinado, como uma rebeldia ao código genético, algo que tenta destronar o que é natural, e transformar o homem em algo SobreNatural. Heisman tem um argumento convincente no qual a etiqueta "SobreNatural" tem sido usada de modo errado na nossa cultura. A questão do que é sobrenatural é a questão do que é "Civilização" sobre o que é apenas "Genético", e que a revolução Mosaica é um "milagre" no sentido de ter sido uma revolução única e espantosa.

Esta revolução é interessante no sentido em que muda todo o imperativo genético, e tem como consequência a destruição da selecção natural. Tomando cada ser humano como filho de Deus, e igualmente importante, torna todo o ser individual como sendo mais importante do que a sua "raça", derivando-se todo o projecto progressista desta visão original. Num texto referente à constituição dos estados unidos, é feita a referência bíblica de "all men are created equal", e todo o projecto liberal surge do Judaísmo.

Mais, todo o processo Capitalista surge desta ideia liberal. O argumento é poderoso e interessante.

Derivam-se daqui várias ideias interessantes. Deus como Projecto Humano, e não como uma teoria do que existe. Tomás de Aquinas tinha como prova da existência de deus a ideia de que Deus era perfeito. E seria mais perfeito se ele existisse mesmo. Logo ele existe. Parece absurdo, mas veja-se de outro prisma. E se o que ele estivesse a fazer fosse propor a construção de Deus? Ver a Singularidade e a criação de uma IA super inteligente como a criação de Deus.

A religião não é assim uma ligação ao presente ou ao passado, mas antes uma revolução que se rebela contra o "mundo" darwiniano, e propõe uma moralidade, que é um Dever e não um Ser. Deus deve ser, e não propriamente é. Construindo uma religião, construíndo uma moralidade, uma imagem de Deus, e aperfeiçoando-a, não estamos senão a criar modelos do que é um paraíso na Terra, anti-darwinista, anti-genético, e a criar os moldes primários do que deve ser um esboço desse mundo futuro super-inteligente e ligado por uma ou várias IAs.

A diferença entre ciência e religião revela-se. Uma fala do que é, outra do que deve ser.

Todo este capítulo tem este tipo de ideias fascinantes. Fala igualmente de Auschwitz, e de como Hitler seguia uma lógica darwinista. Tudo bem, explicado daquela maneira até mastigo.


O capítulo seguinte fala de uma teoria bem provocante e curiosa. Jesus seria nascido de uma pequena moça que foi violada por um raid de romanos (que aconteceu mesmo), e que a sua obsessão por se auto-intitular filho de deus, derivava da vergonha tremenda e da posição super precária de nem ser um judeu nem um romano, de ser um símbolo vivo da violentação de Roma sobre Israel, alimentando a ideia de "pecado original", do qual temos de nos libertar, curar, salvar. Através da radicalização do Judaísmo, da radicalização do processo sobrenatural de total indiferença sobre o material, sobre a carne. Este processo acaba na sua crucifixão, evitando a hipocrisia.

Segue-se toda uma psicanálise sobre o carácter de Jesus e do Cristianismo. Giro.