domingo, 26 de setembro de 2010

Mitchell Heisman #2

Ponto de situação, tendo lido 388 páginas (admito, muito pela diagonal).

O tipo é inteligente e um péssimo escritor de clássicos. Repete-se muito. 388 páginas seriam condensáveis a 50, 60.

O primeiro capítulo sobre a divagação sobre o nihilismo e as suas contradições internas é bom. Recomenda-se, incisivo, provocante, corajoso. Vai até ao fim. E não se repete muito, o estilo é mordaz e sintético.

O segundo capítulo é bem mais demorado. Fala da Singularidade. O homem era um crente nesta religião chamada de geeks que prevê um crescimento explosivo da inteligência artificial alterando o mundo de uma maneira tão extraordinária que se torna impossível sequer fazer previsões sobre o que se passa para além do "horizonte de eventos" (imaginar segundos após activação da skynet, mas sem necessariamente o mesmo resultado).

Há algo nesta hipótese que é fascinantemente verdade, quer dizer, é algo que bebe da inevitabilidade do crescimento das capacidades tecnológicas, e que mesmo que não aconteça nestas décadas, neste século ou no outro, tem sempre uma aura de possibilidade "ao virar da esquina". Não deixa de ser uma religião, por motivos que não vou desenvolver por agora.

Existe uma ideia no livro que me parece super-interessante. Parte da análise do que é a Religião monoteísta, do que é o Judaísmo, e a revolução civilizacional que o código de Moisés é simbólico. Esta ideia nasce da visão darwinista dos genes. Segundo Dawkins, nós somos, em grande medida, "escravos" dos genes "egoístas". Somos máquinas de reprodução de genes, e todos os nossos comportamentos assim como estruturas sociológicas, são fruto ou consequência de um código genético.

No entanto, considere-se o Judaísmo com o seu código alternativo, escrito e ensinado, como uma rebeldia ao código genético, algo que tenta destronar o que é natural, e transformar o homem em algo SobreNatural. Heisman tem um argumento convincente no qual a etiqueta "SobreNatural" tem sido usada de modo errado na nossa cultura. A questão do que é sobrenatural é a questão do que é "Civilização" sobre o que é apenas "Genético", e que a revolução Mosaica é um "milagre" no sentido de ter sido uma revolução única e espantosa.

Esta revolução é interessante no sentido em que muda todo o imperativo genético, e tem como consequência a destruição da selecção natural. Tomando cada ser humano como filho de Deus, e igualmente importante, torna todo o ser individual como sendo mais importante do que a sua "raça", derivando-se todo o projecto progressista desta visão original. Num texto referente à constituição dos estados unidos, é feita a referência bíblica de "all men are created equal", e todo o projecto liberal surge do Judaísmo.

Mais, todo o processo Capitalista surge desta ideia liberal. O argumento é poderoso e interessante.

Derivam-se daqui várias ideias interessantes. Deus como Projecto Humano, e não como uma teoria do que existe. Tomás de Aquinas tinha como prova da existência de deus a ideia de que Deus era perfeito. E seria mais perfeito se ele existisse mesmo. Logo ele existe. Parece absurdo, mas veja-se de outro prisma. E se o que ele estivesse a fazer fosse propor a construção de Deus? Ver a Singularidade e a criação de uma IA super inteligente como a criação de Deus.

A religião não é assim uma ligação ao presente ou ao passado, mas antes uma revolução que se rebela contra o "mundo" darwiniano, e propõe uma moralidade, que é um Dever e não um Ser. Deus deve ser, e não propriamente é. Construindo uma religião, construíndo uma moralidade, uma imagem de Deus, e aperfeiçoando-a, não estamos senão a criar modelos do que é um paraíso na Terra, anti-darwinista, anti-genético, e a criar os moldes primários do que deve ser um esboço desse mundo futuro super-inteligente e ligado por uma ou várias IAs.

A diferença entre ciência e religião revela-se. Uma fala do que é, outra do que deve ser.

Todo este capítulo tem este tipo de ideias fascinantes. Fala igualmente de Auschwitz, e de como Hitler seguia uma lógica darwinista. Tudo bem, explicado daquela maneira até mastigo.


O capítulo seguinte fala de uma teoria bem provocante e curiosa. Jesus seria nascido de uma pequena moça que foi violada por um raid de romanos (que aconteceu mesmo), e que a sua obsessão por se auto-intitular filho de deus, derivava da vergonha tremenda e da posição super precária de nem ser um judeu nem um romano, de ser um símbolo vivo da violentação de Roma sobre Israel, alimentando a ideia de "pecado original", do qual temos de nos libertar, curar, salvar. Através da radicalização do Judaísmo, da radicalização do processo sobrenatural de total indiferença sobre o material, sobre a carne. Este processo acaba na sua crucifixão, evitando a hipocrisia.

Segue-se toda uma psicanálise sobre o carácter de Jesus e do Cristianismo. Giro.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mitchell Heisman

Senhor jovem, escreve 1905 páginas de filosofia, explanando a sua visão do mundo, e suicida-se. Logicamente. Pelo que li até agora, um jovem extravagante, inteligente e corajoso. Um aviso (ou não) para não se pensar de mais :). Para quem se interessar por suicidas geniais (ou não), o link fica aqui:

http://www.suicidenote.info/ebook/suicide_note.pdf

Via Lubos Motl.

AiD #1 (Apple is Doomed)

Nova rúbrica, apple is doomed é sobre a constante previsão de que os investimentos na maçã são sobrevalorizados e que as suas investidas nunca darão em nada de jeito, e da hilariante confrontação com a realidade.

Neste momento, o iPad e o iPhone são os alvos a abater em muita blogosfera. A ideia é a de que a Apple não conseguirá competir com o Android pelo facto de que este é "código livre", e que isto permite a muitas empresas construtoras de telemóveis um sistema operativo que seja quase igual ao iOS, mas mais barato, numa corrida ao "fundo" do mercado, sem margens de lucro, onde o consumidor irá ganhar (e a Apple, grande inimiga do consumidor, perderá), emulando o que se passou na década de 90 nos PCs.

No entanto, a analogia é péssima, por várias razões:

Primeiro, porque a Apple neste momento não é a Apple dos anos noventa, guiada por vendedores de refrigerantes (Sculley), ao invés de pessoas com visões mais criativas e originais.

Segundo, porque a Apple, nos anos noventa, já tinha processado todas as empresas que usaram o "look and feel" do macintosh e todas recuaram excepto a Microsoft que depois conquistou o mercado dos "pc IBM-DOS compatible". Neste momento existem várias propostas ao nível dos sistemas operativos de telemóveis e nenhuma vai monopolizar mercado algum.

Terceiro, a monopolização de um sistema operativo nos telemóveis é irrelevante para a adopção de outro sistema, já que ao contrário nos PCs, ninguém se vê obrigado a comprar um iPhone por só funcionar com outros iPhones. Ao contrário do mercado original de PCs, o mercado de telemóveis é extraordinariamente compatível entre si, facilitando a concorrência, e não a estagnação numa solução "popular".

Quarto, o Android não é nenhum Windows. Ninguém pode processar uma empresa por usar e modificar o Android como quiser sem pedir autorizações. É este o grande ponto de venda do Android, mas tal como o recente escândalo no qual a Google forçou a Motorola a abandonar o serviço de localização Skyhook em favor do seu próprio mostra, o termo "Open Source" deve ser lido com pronúncia Orwelliana. E o que havemos de pensar quando a intelligentsia da Engadget vê o regresso do Windows Phone 7 series como uma benesse ao mercado que acalme a Google nesta demonstração recente de "maldades"? É um mundo virado ao contrário...

Quinto, a existência de vários sistemas operativos garante que a concorrência fazer-se-á pelos atributos normais dentro de um mercado, e não por mecanismos monopolistas que garantiram um sucesso à sombra das bananeiras a empresas vulgares e sem gosto. Neste tipo de mercados, a Apple não terá problemas em competir.


Como evidência do que digo, basta-me mostrar este gráfico que mostra tão bem a diferença entre produzir um único aparelho, concentrar todos os investimentos de design, investigação, software, publicidade, etc. no mesmo e garantir que a marca simbolize o termo "Qualidade", e a estratégia de vender centenas de aparelhos com designs medianos, softwares ligeiramente diferentes e publicidades diversas, com um esvaziamento das marcas como resultado...:



Conclusão óbvia: Apple is Doomed.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Mentiras típicas de quem tem a Verdade Absoluta ao seu lado

Retirado de dois posts do Pharyngula. Estas gemas juntas são indissociáveis.

Primeiro, o papa na sua visita ao Reino Unido recitou esta pérola de parágrafo:

Even in our own lifetime, we can recall how Britain and her leaders stood against a Nazi tyranny that wished to eradicate God from society and denied our common humanity to many, especially the Jews, who were thought unfit to live. I also recall the regime's attitude to Christian pastors and religious who spoke the truth in love, opposed the Nazis and paid for that opposition with their lives. As we reflect on the sobering lessons of the atheist extremism of the twentieth century, let us never forget how the exclusion of God, religion and virtue from public life leads ultimately to a truncated vision of man and of society and thus to a "reductive vision of the person and his destiny".


http://bengoldacre.posterous.com/nazi-youth-pope-aligns-atheists-with-nazis-bi

Nazismo = ateísmo extremista. Aliás, era tão, tão extremo, que em 1933 os malditos ateus decidiram abolir todos os grupos ateístas e "freethinkers" na Alemanha:

"ATHEIST HALL CONVERTED

Berlin Churches Establish Bureau to Win Back Worshippers

Wireless to the New York Times.

BERLIN, May 13. - In Freethinkers Hall, which before the Nazi resurgence was the national headquarters of the German Freethinkers League, the Berlin Protestant church authorities have opened a bureau for advice to the public in church matters. Its chief object is to win back former churchgoers and assist those who have not previously belonged to any religious congregation in obtaining church membership.

The German Freethinkers League, which was swept away by the national revolution, was the largest of such organizations in Germany. It had about 500,000 members ..."

[New York Times, May 14, 1933, page 2, on Hitler's outlawing of atheistic and freethinking groups in Germany in the Spring of 1933, after the Enabling Act authorizing Hitler to rule by decree]


http://scienceblogs.com/pharyngula/2010/09/list_of_hitler_quotes_in_honor.php?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+scienceblogs%2Fpharyngula+%28Pharyngula%29&utm_content=Google+Reader


Ilegalizar o ateísmo era, como todos sabemos, o caminho mais rápido e mais avassalador, um blitzkrieg intelectual para transformar toda a sociedade em ateus. Aliás, há quem diga, e acertadamente, pelos vistos, de que Hitler tinha uma agenda profundamente judaica, e que a sua "solução final" foi apenas um engodo muito, muito esperto para enganar toda a gente. Ahhh, estes nazis eram mesmo maquiavélicos!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

AG #6 - Salvar vidas?

A organização de Alimentação dos Estados Unidos lançou uma preview do seu relatório anual. Este gráfico pareceu-me interessante:



Em 2009, vemos um pico que se deveu, segundo o site, a:

Given the increased importance of biofuels and the new linkages between agricultural and energy markets, increased cereal yields, if achieved, may not necessarily continue to lead to lower cereal prices. Because the world energy market is so much larger than the world grain market, grain prices may be determined by oil prices in the energy market as opposed to being determined by grain supply.



O que é interessante, porque coloca a ênfase na equivalência entre o preço da energia e a fome de um modo extraordinariamente directo. Isto parece-me ir contra todo o tipo de políticas que pretendem subir o preço da energia a nível global (e fazê-lo apenas no mundo ocidental já não vai alterar nada no panorama global das emissões CO2).

Isto demonstra o porquê dos países menos avançados estarem relutantes em avançarem politicamente com soluções ao "problema" do CO2. Porque se o problema, em última análise, é salvar vidas (e não o planeta), o tipo de solução que encareça a energia vai contra esse intuito de um modo bem mais directo e demonstrado do que os efeitos indirectos e ambíguos do CO2.


Outro pormenor interessante é a evolução da redução da fome durante os vários anos. Embora o número de pessoas que sofrem se tem mantido mais ou menos no mesmo nível, a percentagem claramente diminuiu. Em 1969, 900 milhões de pessoas em 3.6 mil milhões é cerca de 25%, enquanto que 925 milhões de pessoas em 6.8 mil milhões é de 13%.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

AG #6 - 48 hours

Lord Oxburgh conduziu um inquérito ao climategate, concluíndo que estava tudo porreiro pá, não houve incompetências nem fraudes nem nada. Um inquérito muito divulgado por toda a blogosfera como a prova final de que os cientistas são, afinal, pessoas de carne e osso, mas desonestos não, que isso não é coisa de cientista...

Houve quem no parlamento inglês não ficasse convencido com o detalhe e competência de um relatório de cinco páginas gerido por alguém com claros conflitos de interesse não declarados sobre o aquecimento global, pelo que ontem chamaram o senhor Oxburgh para uma conversa.

Steve McIntyre transcreve:

Q: we all appreciate . can I just clarify this point – you said that all the committee members stayed in Norwich.

Oxburgh – [unintelligible]

Q – OK. Does that mean that they were spending all their time on this report over that 2 week period?

Oxburgh – Not over 2 weeks. Probably over 4 days, 5 days something like that. They’d done a lot beforehand.

Q- How much time did each individual spend working on this report?

Oxburgh – Gosh, you mean altogether, not just in Norwich,

Q- You said that it had happened over a 3 week period but most of the time was spent in Norwich.

Oxburgh – People had done an immense amount of work before, one of the most important things. They had a really tough work schedule before they arrived. Then in Norwich, when they were there, they worked continuously. Total number of person-days spent on this was around 15. Something like that. It was… does that answer your question?

Note-se a evasão. 15 dias, mais ou menos, tendo em conta que se fizeram, mais ou menos, 4 não sei, talvez 5 dias de trabalho em Norwich, já nem me lembro bem, Mas não se conte assim pois sabe como é isto de pessoas cheias de trabalho e de uma competência enorme que não olha a horários, coisa tão século XX, essa das nove às cinco, hoje em dia as pessoas trabalham no avião, no carro, usando todo o tipo de tecnologias que nos serviriam para nos libertar e não escravizar, mas é este afinal o resultado! Por isso não nos condenem logo à partida por eu dizer apenas 4, 5 dias. O que é facto é que nem sabemos de tão pouco sono que temos disponível...

Steve McIntyre:

Through FOI requests, we have obtained the actual schedule of the Oxburgh panel online here.
(...)

Travel arrangements (obtained through FOI) show that this schedule was adhered to. Oxburgh arrived in Norwich at 6:30 pm on the evening of April 6 and had a train reservation back to Cambridge at 3.40 pm on April 8.
(...)

Re-reading the schedule, it seems that the panel only spent a relatively small portion of its time actually interviewing Jones, Briffa and the CRU Team – who, by the way, seem to have been interviewed collectively rather than individually – and most of its time in “Discussion”.

No doubt Oxburgh was happy to do a favor for the UK government Chief Scientist, but surely Beddington should have thought twice about asking a favour from someone who is chairman of a subsidy-seeking wind utility (Falck Renewables).

In addition to the session of the full panel on April 7 and part of April 8, previously on March 30, Lisa Graumlich had visited CRU together with Hand and Oxburgh and met with Briffa in the morning from 9.15 to 10.45 and had panel discussions as well.

As to Oxburgh’s description of his ordeal in Norwich as “4 days, 5 days”, I’m highly sympathetic to the idea that spending almost 48 hours in Norwich seemed like “4 days, 5 days”, but using conventional time measurement techniques – such as checking the day of the week – the panel actually spent less than two days in Norwich, skipping town just as Geoffrey Boulton arrived for his one interview with CRU the next day about proxies, neither panel having bothered to compare itineraries, with Oxburgh and Hand spending an extra day in Norwich (and Graumlich only one).

Again, while Oxburgh didn’t correct the impression that the MP had been left with, Oxburgh himself didn’t expressly say that the panel had spent “most” of three weeks in Norwich.




Independentemente de todas as confusões nas descrições, as capacidades destes cientistas espantam-me todos os dias, o feito de levarem 48 horas a fazerem um trabalho de 3 semanas é algo que ficará nos anais da gestão laboral e, certamente, um case-study para qualquer outra actividade tão transparente, e obviamente competente como esta.


Update:

Steve McIntyre faz um apanhado da situação noutro post:


Um artigo de Harrabin (BBC) muito interessante sobre este inquérito, já de 5 de Julho, a ver aqui:

tem um pormenor interessante:


Since this article was published, the University of East Anglia has told the BBC that it asked the Panel chaired by Lord Oxburgh to consider whether "data had been dishonestly selected, manipulated and/or presented to arrive at pre-determined conclusions that were not compatible with a fair interpretation of the original data". The university says it is not true that Professor Davies subsequently asked Lord Oxburgh to adopt a "narrower brief" of any kind.



O problema é que Lord Oxburgh não cumpriu esta missão, de todo, avisando que o seu papel não era avaliar a ciência. Que fez ele então? Uma reunião formaleca com uns tipos porreiros, assinar uns papéis rapidamente de modo a não perder a oportunidade de um bom jantar na companhia de tão ilustres cientistas...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Show them hell Hitch!

Bestselling atheist author Christopher Hitchens showed plenty of spunk and energy in a debate tonight in Birmingham despite undergoing recent chemotherapy for esophageal cancer.

(...)

At a luncheon earlier in the day with Hitchens and Berlinski, Taunton asked Hitchens about his health problems. "Well, I'm dying, since you asked," Hitchens replied. "So are you, but I'm doing it faster and in more rich and fecund detail."

Hitchens, who has lost his hair since he debated Lennox in Birmingham last year, said he is in his fourth course of chemotherapy and it has shrunk the tumors. Hitchens said he continues to write and hopes to do a book about the Ten Commandments.

http://blog.al.com/spotnews/2010/09/atheist_author_christopher_hit_1.html


Para quem não acredita na existência de ateus na hora da morte, Hitchens é um exemplar perfeito que demole a hipótese da cobardia mental. O crente, a certa altura, aparentemente testemunha que se encontrar que a história religiosa em que acredita não for verdade, que isso arruinaria a sua vida. Don't give up so easily, propõe quem está prestes a perdê-la. Não é paradoxal que um ateu, totalmente consciente da sua brevidade neste mundo (e noutros), demonstre tão maior (na vida) do que um crente que passou a vida a pregá-la?

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Divagações sobre o Real

Uma coisa que eu reparo neste mar de pensamentos é que, paralelamente a todas as discussões mais ou menos fúteis sobre as obsessões que nos tomam as margens encefálicas quotidianas, existe sempre um pressuposto básico que cada um pressupõe que os outros também o partilham, ou pelo menos deveriam partilhar.

Esse pressuposto é a natureza e característica do que é a Verdade, do que são feitas as ideias, se existe algo que se pode denominar de Absoluto, se o Real é algo atingível ou representável, etc.

Esta discussão divide tradicionalmente duas oposições. Uma, que garante que o Absoluto existe, que é verdade que existe algo que se possa dizer absolutamente Verdade, que coisas totais são parte do nosso universo. Outra há que garante que o absoluto é uma invenção religiosa, ou pelo menos uma tradição religiosa, que a verdade, sendo uma catalogação humana de uma série de postulados sobre determinadas observações empíricas, nunca poderá ser maiusculizada e tornada Absoluta. Existe uma fingida de terceira (Rorty), que se denomina de minimalista, que diz que palavras como "verdade" só têm sentido se usadas de um modo muito específico, e que portanto todo o debate sobre a "Verdade" simplesmente desaparece como uma nuvem mística. Digo fingida, porque para mim, não passa de um Relativismo bastante particular e preciso, e portanto pertencente à "segunda" opção.

Ou seja, não há aqui Tertium Datur: negando a verdade absoluta como ilusória, entramos num universo de relações entre proposições e observações, de mutações no modo como se usam e se reinventam as representações dessas mesmas observações, seguindo as pressões sociais e culturais. No caso científico, uma enorme pressão para melhorar a precisão, a capacidade de previsão, a simplicidade, harmonia, beleza matemática, etc., resultaram numa representação da realidade que, em alguns campos, roçam mesmo a ideia que temos de verdade absoluta. O que é irónico é que foi necessária uma metodologia que pressupõe uma constante correcção e cepticismo nas representações vigentes da realidade, uma metodologia que compreende a fragilidade dos conceitos utilizados em qualquer situação, a contingência de toda a variável sobre todo o resto do sistema representacional, em suma, uma metodologia relativista, que permitiu chegarmos a um ponto *quase* absoluto.

E este quase é importante, porque O nega. Por mais precisos que sejamos, temos a perfeita noção de que não temos ainda a verdade absoluta, e que a precisão absoluta é inatingível. Temos um conhecimento frágil e contingente, mas extraordinário.

Eu, pessoalmente, nego a primeira proposição. Acho que a existência da "Verdade", até sendo possível a sua existência, é-nos tão útil como o deus dos filósofos. Se algo é eternamente verdade, seria até possível atingimo-la, mas como saberíamos, com toda a certeza? Seria, por definição, impossível. Logo, uma noção inútil.

AG #5 - Conversation shift

Desde o tempo de Oreskes e o seu estudo que falava numa certeza absoluta na ciência, ou desde as afirmações de Al Gore nas quais "o debate acabou", que muita coisa aconteceu. Hoje, depois de uma luta aguerrida na blogosfera, de todas as gaffes e escândalos cometidos pelo status quo, e depois de uma mais subtil mas permanente chamada à razão para o debate público do aquecimento global, parece-me que a discussão entra num outro patamar, onde o histerismo não tem lugar e uma conversa racional sobre o que realmente sabemos, o que não sabemos, as incertezas e as questões lógicas, filosóficas, políticas, etc. ganham toda a sua matiz desde o cinza mais claro ao cinza mais escuro, deixando o negro e o branco puros para uma era menos madura.

Não sei se é uma tendência para o futuro. Pode apenas revelar uma facção activista ferida e ensanguentada pelos confrontos, descansando ou preparando um novo ímpeto polarizante.

O que sei é que, por enquanto, a questão climática está a ser discutida de um modo mais adulto. Gostei, entre outras coisas, de ouvir o tom desta reportagem da BBC, Uncertain Climate, do repórter Roger Harrabin. Duas partes em 30 minutos cada.

A ouvir.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Goddidit - a história interminável de uma não explicação

Luís - Epá, viste aquele incêndio?
Manuel - Sim, foi realmente um desastre.
Luís - É evidência que Deus existe.
Manuel - Como?!? Um desastre deste tamanho...?
Luís - Ora bem. Pois que outra explicação tens para este incêndio? É claramente vontade divina. Deus criou isto!
Manuel - Ora! Pode muito bem ter sido provocado por um relâmpago por exemplo! Como vês, vontades desse tipo são desnecessárias...
Luís - Ó Manuel, vocês ateus são tão ingénuos. Então explica-me lá, de onde vem esse relâmpago? Não é ele tão claramente um grito divino? Uma expressão do Alto? Deus criou isto!
Manuel - Que eu saiba, os relâmpagos surgem devido a diferenças de potência eléctrica entre as várias nuvens com o terreno... ou com florestas neste caso...
Luís - Estes ateus e as suas respostas racionais, mas nem consegues explicar de onde a floresta nasce. Tanta complexidade! Só Deus poderia criar uma coisa assim!
Manuel - Bem, não é bem verdade, sabes que uma imensidão temporal aliada a uma selecção natural lenta mas permanente tem a tendência de criar exactamente o tipo de riqueza biológica que encontras na floresta...
Luís - Já me irritas. Pois isso pode muito bem ser verdade, mas é inegável que a selecção não explica o seu início, a sua origem. Que eu saiba a célula original é demasiado complexa para ter surgido "por acaso". Deus criou isto!
Manuel - Mas não surgiu, sabes, existe todo um campo de investigação sobre a Abiogénese, que estuda precisamente como a matéria se organizou para criar as primeiras proto-células e mais tarde as células... a investigação sugere que existe de facto um caminho viável entre a matéria inanimada e a criação de vida sem intervenção divina...
Luís- Teorias... apenas teorias! Mas dando isso de barato, de onde veio a Terra e o Sol? Claramente, objectos tão perfeitos e ricos em matéria só podem ter sido criados por Deus!
Manuel - Mas não Luís! Estrelas e planetas há-os aos triliões de triliões, e são das coisas mais comuns no universo... a própria vida pode ser perfeitamente um fenómeno trivial.
Luís - Seja, Manuel, mas tanto tu como eu sabemos que este universo teve um início! A Bíblia previu isto!
Manuel - A bíblia fala de um universo com 6 mil anos criados em 6 dias...
Luís - Não sejas literalista! Claramente fala de um início do universo. Ora, pareces ser muito esperto e explicas muita coisa que se passa no universo, mas como explicas o Big Bang? Como é que se iniciou tamanha explosão?
Manuel - O Big Bang é apenas a consequência das leis naturais, é algo que parece ter sido completamente inevitável.
Luís - És tão ingénuo. Então diz lá de onde vêm as leis?
Manuel - Here we go again...

AG #4

Como não tenho muito tempo livre, remeto-me a apontar alguns textos chave, após a publicação do relatório do InterAcademy of Sciences sobre os feitos e desfeitos do IPCC.

Dou a palavra a William Briggs:

Now, whether the IAC is sufficiently qualified to dress down the IPCC down is debatable. But dress them down they have. In a brutal report, the IAC found that the IPCC leadership was “less agile and responsive than it needs to be” in answering it many criticisms.


Este parágrafo do relatório é interessante:

[The IPCC should] give greater attention to assessing uncertainties and confidence in [key findings]. Avoid trivializing statements just to increase their confidence…Determine the areas in your chapter where a range of views may need to be described…to form a collective view on uncertainty or confidence.


William continua:

For examples of “Structural uncertainty”, they say, “Inadequate models, incomplete or competing conceptual frameworks, lack of agreement on model structure, ambiguous system boundaries or definitions, significant processes or relationships wrongly specified or not considered.”

Finally, “Value uncertainty: Missing, inaccurate or non-representative data, inappropriate spatial or temporal resolution, poorly known or changing model parameters.”

The IAC had to tell the IPCC that their pronouncements should not be spoken in the same tone Moses used when descending Sinai; they reminded the IPCC that “probabilistic approaches are available” and that they should consider reporting “ranges of outcomes and their associated likelihoods”. To make this complete, there’s a sarcastic lesson on rhetoric: “A 10% chance of dying is interpreted more negatively than a 90% chance of surviving.”

(...)

But the IAC wasn’t finished. The knife was already in and had already cut the vital organs, but they gave it a twist anyway, by stating, “[The IPCC should] be aware of a tendency for a group to converge on an expressed view and become overconfident in it”. About this quip Bertie Wooster would have said, “And they meant it to sting!”


O spin dado pelo status quo é completamente diferente. No Real Climate:

It appears mostly sensible and has a lot of useful things to say about improving IPCC processes – from suggesting a new Executive to be able to speak for IPCC in-between reports, a new communications strategy, better consistency among working groups and ideas for how to reduce the burden on lead authors in responding to rapidly increasing review comments.

(...)

The suggestions made here will mostly strengthen the credibility of the next IPCC, particularly working groups 2 and 3, though whether it will make the conclusions less contentious is unclear.


A ver também o comentário da Nature, com um título mais adequado, "IPCC must adapt to survive".

AG #3

Wall Street Journal:

This week's report, in keeping with three earlier investigations into the University of East Anglia's Climatic Research Unit, limited its inquiry to the "processes and procedures" of the IPCC. While it found those wanting, it also saw no need to question their scientific result.

That's too bad, since the state of the science has moved on considerably since the IPCC concluded in its 2007 report that climate change was "unequivocal." A forthcoming paper in Annals of Applied Statistics details the uncertainties in trying to reconstruct historical temperatures using proxy data such as tree rings and ice cores. Statisticians Blakeley McShane and Abraham Wyner find that while proxy records may relate to temperatures, when it comes to forecasting the warming observed in the last 30 years, "the proxies do not predict temperature significantly better than random series generated independently of temperature."


(Isto é sobre o enterro do chamado "Hockey Stick"....)

Also, last month, New Phytologist published a series of papers examining the Amazon rain forest's vulnerability to drought, following years of increasingly dire predictions that anthropogenic carbon emissions and global warming will kill off Amazon trees. Climatologist Peter Cox, a co-author on four of those papers, told us, "One of the things that turns out to be important is the extent to which tropical forests respond positively to CO2 increases."


Ou seja, nem se sabe se o efeito é positivo ou negativo... Conclui,


None of this proves or disproves anything, except that our understanding of how our climate works is still evolving. Is it too much to ask the climate establishment to acknowledge as much?


Usando a língua original, I wouldn't hold my breath. O que é curioso é que quando, 6 anos atrás, Michael Crichton defendeu esta mesma tese (a de que sabemos muito menos do que pretendemos saber sobre o clima), foi incinerado pelos media. Hoje, passados quase 2 anos após a sua morte, os media lentamente adoptam a sua posição. Não tenho é grandes expectativas de que o próximo relatório do IPCC, em 2014, chegue a esta humildade (embora hajam indicações nesse sentido). Talvez em 2021?

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Boa posta, esta do Climate Resistance.

Simms would never let a good crises go unexploited. But there is no reason why the ‘kind of extreme events’ seen in Russia and Pakistan this summer could be entirely eliminated. The world could have easily produced a surplus of grain, and Pakistan’s civil infrastructure could have been developed, such that people could be at least protected from so much moving water. It’s what didn’t happen which cause these problems, not what nature threw at the world. It’s worth pointing out that problems of drought are fundamentally problems of relying on natural processes for sustenance – which the NEF want us to do more of. But increasing our dependence on natural processes necessarily means risking more to the whims and changes of nature, making us more vulnerable to what happened in Russia, not less. In the case of Pakistan, once again it has been shown that it is those who live ‘sustainable’, ‘low-impact’ lifestyles — advocated by the NEF — who are most vulnerable to nature. It’s poor people who live under those ‘ecological dominoes’, not the policy directors of self-regarding ‘think’ tanks.


Precisely ;)